Na última semana o Aeroporto Senador Nilo Coelho, em Petrolina, foi leiloado. Quem venceu a disputa foi o grupo empresarial brasileiro CCR, que ganhou o direito de administrar o equipamento pelos próximos 30 anos. Esta foi a 6ª rodada de concessão de aeroportos promovida pelo Governo Federal, através do Ministério da Infraestrutura. No último mês de março completou-se um ano da venda do Aeroporto dos Guararapes/Gilberto Freyre, no Recife. Conversamos com representantes dos aeroportuários e lojistas sobre os impactos da privatização no equipamento da capital pernambucana e os possíveis impactos em Petrolina.
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O Governo Federal tem vendido aeroportos para a iniciativa privada em blocos. O aeroporto de Petrolina integrou o “Bloco Central”, que engloba seis aeroportos. Além do pernambucano, foram leiloados nesse bloco os aeroportos de Teresina (PI), São Luís (MA), Imperatriz (MA), Goiânia (GO) e Palmas (TO). Os seis equipamentos juntos foram vendidos por R$754 milhões ao Grupo CCR, que tem participação acionária nas empresas que administram os aeroportos de Belo Horizonte (MG) e três no exterior (no Equador, Costa Rica e Curaçao), mas ainda não administra sozinho um aeroporto. O Grupo CCR também arrematou o Bloco Sul, com nove equipamentos nos três estados da região Sul do país.
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Francisco Lemos, presidente do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina), em vídeo recente no canal do sindicato no Youtube sobre a nova rodada de privatizações, critica a cobertura da imprensa sobre os leilões. “Parte da imprensa fica com uma conversa hipócrita sobre iniciativa privada ser mais eficiente, mas quem está assumindo a maioria dos aeroportos são estatais estrangeiras”, pontua o sindicalista. A Aena, empresa que faz a gestão do aeroporto do Recife e mais cinco aeroportos no Nordeste, é uma estatal espanhola.
Sobre os aeroportos menores, como o de Petrolina, o presidente do Sina acredita que as concessionárias dificilmente conseguirão obter lucro e apresentarão como solução fechar os equipamentos. “Vai ficar inviável um monte de aeroportos que não geram lucro. Vão falir. E a Infraero vai ter que assumir novamente. Seja qual for o governo, vai ter que assumir esses aeroportos, porque cidades e estados importantes do país não podem ficar sem aeroportos”, diz ele. Com os equipamentos administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), antes das privatizações, os déficits dos aeroportos menores eram compensados pelos lucros obtidos nos grandes aeroportos.
Os trabalhadores temem que as novas administradoras, visando obter o máximo de lucro, decidam fechar os aeroportos menores, prejudicando a região. É o que alerta Leonardo Félix, profissional da segurança da aviação civil, trabalhador da Infraero e diretor do Sina em Pernambuco. “Temos um aeroporto privado em Serra Talhada que quase não funciona, porque não dá lucro. Em Petrolina o aeroporto é da rede Infraero, que o mantém funcionando para atender a região”, compara.
Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, ele lembra que a importância desses equipamentos vai além do lucro e menciona o papel dos aeroportos na distribuição de vacinas para o combate ao novo coronavírus (Sars-CoV-2). “Se não tivesse o aeroporto de Campina Grande (PB), como seria a distribuição de vacinas para essa região do Sertão? O aeroporto ajuda muito e traz desenvolvimento para a região”, avalia. Segundo o sindicalista, caso a concessionária desista de gerir os aeroportos, a responsabilidade recai sobre os municípios. “Não sabemos o que vai ser o futuro desse aeroporto. Ficamos no escuro. E o que for feito do aeroporto, vai impactar em toda a região”, pontua Félix.
Ele também mostra preocupação com a qualidade do serviço prestado à população. “A concessão precariza a mão de obra dos trabalhadores, reduz salários, rebaixando a qualidade do serviço”, diz ele, mencionando ainda a maior rotatividade de funcionários no setor privado. “Já tem ocorrido em alguns aeroportos privatizados um crescimento grande do ‘turn-over’. Com essas trocas você perde trabalhadores com experiência e isso impacta na qualidade dos serviços, na segurança do funcionamento do aeroporto”, completa ele.
O aeroportuário lembra ainda que o aeroporto do Recife já foi eleito o melhor do país no quesito segurança, em levantamento feito pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “A preocupação do sindicato é manter dos postos de trabalho e a qualidade dos serviços prestados nos aeroportos”, diz o diretor do Sina. O sindicato também tem dado exemplos de outros aeroportos que, após privatizados, adotaram medidas para reduzir custos ou aumentar ganhos, como reduzir os espaços entre as aeronaves (para caber mais na pista), retirar sabão ou fechar banheiros ou reduzir uso de ar-condicionado, por exemplo. Félix avalia que, caso a empresa decida elevar as taxas cobradas das empresas aéreas, o preço tende a ser repassado ao consumidor final, o passageiro.
Sobre os 12 meses do aeroporto do Recife sob gestão da espanhola, o segurança da aviação civil Leonardo Félix destaca as dificuldades do quadro sanitário, mas não isenta a Aena de culpa. “Foi um ano difícil, de pandemia. A aviação foi uma das áreas mais afetadas e perdemos muitos postos de trabalho. Mas é preciso dizer que hoje o aeroporto tem deixado a desejar. Falta segurança e iluminação no entorno do aeroporto, os acessos estão muito escuros”, menciona.
Ele destaca o caso do terminal do antigo aeroporto, que tem sofrido com roubos à luz do dia. “O terminal antigo fica ao lado do novo e sofreu ação de vândalos, que levaram toda a cobertura do terminal”, diz o sindicalista. Inaugurado em 1958 e fechado desde 2004 (ano da inauguração do novo equipamento), o terminal antigo foi incluso no contrato de concessão e vendido à Aena. Com os roubos, um painel artístico do pernambucano Lula Cardoso Ayres (1910-1987) está exposto ao sol e à chuva. O painel é tombado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe).
Os lojistas também têm se queixado. Em entrevista ao Brasil de Fato, uma empresária lojista que preferiu não se identificar por medo de ser prejudicada, resumiu a situação. “A expectativa de todos era que, quando a Aena chegasse, tivéssemos uma gestão melhor no aeroporto. Engano nosso. A gente era feliz e não sabia”. Ela lembra que a Infraero, antes de passar a gestão para a empresa espanhola, renovou por seis meses os contratos nos mesmos termos, garantindo estabilidade para os lojistas na transição de gestão do aeroporto. Mas a espanhola não deu importância. “Quando a Aena assumiu, começaram a alterar os contratos já na primeira conversa”, reclama.
Segundo a empresária, a Aena passou a cobrar taxas com base em informações que os lojistas não têm acesso. “Em vez de pagarmos o condomínio e o percentual sobre vendas, como tem no contrato, eles passaram a cobrar um percentual referente a voos e passageiros que passam pelo aeroporto. Mas como os lojistas podem ter controle sobre isso? Como podemos discutir com a Aena?”, questiona. Ela também afirma ter comparado com dados de voos e passageiros fornecidos pela Anac e que são diferentes das informações alegadas pela Aena.
A comerciante lamenta o mal-estar que a empresa espanhola tem criado com os empresários. “Lojistas com mais de 15 anos atuando no aeroporto estão perdendo suas lojas porque a Aena decidiu que não quer mais. Cria-se instabilidade e problemas jurídicos. A Associação dos Concessionários Aeroportuários (ACAP) chegou a entrar com uma ação na tentativa de um acordo com a Aena, mas enquanto o processo não avança na Justiça, alguns lojistas que eram parte na ação estão desistindo do processo por medo de sofrer represálias da empresa espanhola.
A lojista acredita que o objetivo da Aena é leiloar setores do aeroporto. “Acho que o objetivo deles é colocar todo mundo para fora e leiloar essas áreas [de lojas]”, critica ela, que avalia a administração do aeroporto como “sem rumo”. Os conflitos se dão em meio ao cenário de perda de receita das lojas em consequência da pandemia. Ela menciona uma nova orientação da Anac para os passageiros passarem o mínimo de tempo no saguão do aeroporto e evitar aglomerações. “Querem colocar o passageiro dentro do avião e mandar embora logo. Mas isso acaba reduzindo o faturamento das lojas e gera aglomeração do mesmo jeito, já que a sala de embarque do aeroporto do Recife é pequena”, opina.
Quem é o grupo empresarial que comprou Aeroporto de Petrolina?
O Grupo CCR foi fundado em 1999 para atuar como concessionária de rodovias. Hoje cobra pedágio em estradas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro – sofrendo críticas por, após assumir os equipamentos, faz pedidos de alteração contratual para reduzir suas obrigações de qualificação das vias.
Entre as estradas que administrou está a Ponte Rio-Niterói, que a CCR geriu até 2015. Na cartela de concessões vencidas pelo grupo também estão o metrô de Salvador (BA), três linhas de metrô e trem de São Paulo, o VLT e o transporte aquaviário do Rio de Janeiro. No grupo CCR também está uma empresa de infraestrutura de redes de fibra óptica, a Samm.
O grupo empresarial pertence 14,9% ao Grupo Andrade Gutierrez (cuja construtora, a segunda maior do Brasil, teve seus executivos presos em 2015, acusados pela Operação Lava Jato de ter operado esquemas de lavagem de dinheiro desviado da Petrobras); outros 14,9% pertencem ao Grupo Mover (antigo Grupo Camargo Corrêa, também acusado de lavagem de dinheiro e evasão de divisas da Petrobras e que mudou de nome de 2018); outros 15% pertencem ao Grupo Soares Penido e 55% são do Grupo Novo Mercado.
O Grupo CCR assumirá o equipamento por 30 anos e tem obrigações contratuais de realizar obras de manutenção e qualificação do aeroporto. A estimativa é que ao longo das três décadas o bloco de seis aeroportos gere uma receita bruta de R$3,5 bilhões. A empresa terá que investir aproximadamente R$1,8 bilhão em qualificação desses equipamentos.
Edição: Vanessa Gonzaga