Pernambuco

ENERGIA EÓLICA

Artigo | O Acordo de Paris e a transição energética imposta pelo capital no Brasil

As energias renováveis são uma forma de reinvenção do capitalismo mundial diante das crises financeiras e ambiental

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A energia eólica em menos de duas décadas passou de 0,03% a 6,9% da produção de energia elétrica no país - Ari Versiani

O Acordo de Paris trouxe expectativas da implementação de um programa em larga escala de investimento em energia renováveis, cujo objetivo é propalado pelos veículos de comunicação e fóruns internacionais como uma grande transição energética.

É o senso comum, pelo menos. Entretanto, um exame mais crítico aponta para outra faceta deste movimento: os limites do atual modelo econômico ultraliberal de produzir alternativas verdadeiramente sustentáveis e inclusivas diante de uma crise ambiental cada vez mais propensa a aumentar as proporções do desastre econômico e social já visível a escala global. As corporações privadas, associadas aos seus Estados Nacionais, estão se antecipando e começam a tensionar por uma nova configuração econômica e tentam usar as energias renováveis como uma forma de reinvenção do capitalismo mundial diante das crises financeiras e ambiental.

Qual o efeito disso sobre o Brasil? É bom salientar que, no Brasil, quase metade da matriz energética, mais de 40%, está composta por fontes renováveis, sendo que a energia eólica em menos de duas décadas passou de 0,03% a 6,9% da produção de energia elétrica no país e este percentual vem crescendo rapidamente. A dinâmica dos ventos, principalmente da região Nordeste, parece ser ideal para a implantação de parques tanto na faixa litorânea como nas regiões mais altas do interior de alguns estados, o que faz da região a “bola da vez” da expansão do capital, principalmente no Rio Grande do Norte, no Ceará, na Bahia, em Pernambuco e na Paraíba.

Frente aos problemas estruturais para a implantação dos parques eólicos de maneira mais ou menos justa e equilibrada no Brasil (falta de suporte industrial e a estrutura fundiária brasileira), que impediam a massificação dos contratos de arrendamento utilizados pelo setor, a solução foi forçar o rebaixamento de impostos de importação e a concessão de outras vantagens para as corporações multinacionais de energia e também a aprovação de arranjos jurídico-institucionais, a exemplo do Novo Código Florestal e da Nova Lei de Regularização Fundiária. Tudo isto tem como consequência direta o desestímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial do país, a colocação de extensas áreas no mercado de terras e o aumento da insegurança alimentar de comunidades e territórios inteiros, entre outros. O prejuízo às comunidades e ao meio ambiente são evidentes.

Além da geração de empregos precários e sazonais, podemos citar alguns exemplos mais estruturais. A assinatura dos contratos acaba se configurando como um “cheque em branco” que os arrendadores assinam, muitas vezes sem ler, para que as empresas possam dispor de suas terras por grandes períodos de tempo, já que se trata de grandes investimentos, cujo tempo de amortecimento costuma ser longo, de forma que a maioria dos contratos comprometem, inclusive, os direitos sucessórios dos herdeiros. Também, do ponto de vista ambiental, a instalação dos parques afeta drasticamente os recursos hídricos, em virtude da grande utilização de água para a concretagem e demais necessidades das obras, além de realizar a supressão de enormes áreas de mata para a passagem dos componentes das torres.

Mariana Traldi afirma que a chegada das empresas de energia eólica no Nordeste brasileiro pode ser caracterizada como um processo de apropriação de terras pela indústria, espécie de green grabbing (“quando vastas áreas são apropriadas sob o pretexto da promoção do desenvolvimento sustentável ou da defesa de uma agenda verde”) que, no nosso caso, se configura como um processo de desapossamento de populações do campo, populações tradicionais, camponeses e agricultores familiares, mediante privatização e “commodificação” da força dos ventos, e envolvendo disputa por energia entre corporações financeiras-industriais, com apoio do poder público.

Tal como sempre ocorreu na história brasileira, a expansão dos parques eólicos no Brasil mostra que as alianças entre o capitalismo financeiro internacional e os arranjos arcaicos locais continuam colaborando para a reprodução de velhas estruturas de poder locais e processos de despossessão massiva de territórios, sob o argumento da modernização energética unido ao suposto combate às mudanças climáticas.


 Este trabalho é dedicado à memória do professor e militante Leonardo Cisneiros

Referências

FAST-TRACK Energy Transitions to Win the Race to Zero. Disponível em: https://www.irena.org/newsroom/pressreleases/2021/Mar/Fast-Track-Energy-Transitions--to-Win-the-Race-to-Zero. Acesso em: 17 abr. 2021.

TRALDI, M. Os impactos socioeconômicos e territoriais resultantes da implantação e operação de parques eólicos no semiárido brasileiro. Scripta Nova, v. 22, n. 589, p. 1-34, 2018.

 COSTA, Heitor Scalambrini. Usinas Eólicas: a bola da vez é Bonito/PE. Disponível em: https://racismoambiental.net.br/2018/04/02/usinas-eolicas-a-bola-da-vez-e-bonito-pe/. Acesso em: 19 abr. 2021.

TRALDI, M. Os impactos socioeconômicos e territoriais resultantes da implantação e operação de parques eólicos no semiárido brasileiro. Scripta Nova, v. 22, n. 589, p. 1-34, 2018.

 

Edição: Vanessa Gonzaga