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E se fosse a sua casa?

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As ações de despejo na Vila estão impetradas pela Transnordestina e pelo DNIT - Tom Cabral
Tem sido difícil chamar a atenção para o drama da Vila Santa Francisca

Tem muitos nomes ali. Vila Santa Francisca é um dos mais conhecidos. Tem quem chame “comunidade Paz e Amor”. Mais recentemente tem sido muito falado “comunidade da Linha”, em referência aos trilhos que cruzam a localidade, que fica no Ibura, pertinho do Aeroporto. Como tantas ocupações do Recife, esta começou devagarinho, há mais de vinte anos. 

Quem passa por lá nos dias de hoje vê um território completamente urbanizado. Casas de alvenaria, via de regra construídas com sangue e suor, ao longo do tempo. Postes de iluminação pública, endereços postais. As centenas de famílias que vivem por ali hoje vivem dias de dúvida, angústia, apreensão. De acordo com a última decisão da Justiça, o despejo está marcado para o início de maio.

Tudo teve início quando algumas residências começaram a receber informações sobre ações de despejo impetradas pela Transnordestina e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Oficialmente, a área é do governo federal e está concessionada à empresa privada que agora, tantos anos depois, avisa que quer o terreno para fazer não-sei-o-quê.  

Para escamotear a vontade de despejar uma comunidade inteira, as ações foram sendo protocoladas a conta gotas. Algumas casas numa ação, outras em outra e assim sucessivamente. A artimanha segue uma lógica maquiavelicamente mesquinha. Afinal, é muito mais “fácil” para um juiz ou juíza decretar o despejo de um punhado de famílias do que colocar duzentas na rua ao mesmo tempo. Assim, praticamente todas as movimentações no judiciário acabaram sendo vencidas pela empresa que parece ignorar completamente o custo social do que fazem sem absolutamente nenhum senso de humanidade. 

Organizada, a vizinhança agora luta pra permanecer onde está. Têm ao seu lado a Defensoria Pública da União, alguns mandatos legislativos como o meu e o de Dani Portela, movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Movimento Unificado dos sem Teto (MUST), organizações como o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH).

 Até quando escrevo estas linhas, o poder executivo do Recife ainda não tomou partido. Mesmo depois de vários protestos e várias visitas de representantes do bairro à Prefeitura, as respostas da gestão do PSB têm sido evasivas. “A prefeitura não é autora da ação”, disse um servidor, esquecendo que se duzentas famílias perderem suas casas vai ficar difícil o município se esquivar dessa responsabilidade.

Quase toda semana a comunidade se reúne em conversas acaloradas, interrompidas apenas pelo barulho dos aviões que passam a cada tantos minutos. É gente simples, trabalhadora, que em sua maior parte costuma “não se meter com política”. Pelos adesivos que resistem ao sol e à chuva nas portas de algumas casas, muita gente votou no candidato que ganhou as eleições. Mas até agora o jovem prefeito não foi lá dar as caras nem mostrar solidariedade àquelas famílias.

Assim, no momento histórico que é fundamental que todo mundo fique em casa, centenas de pessoas estão gravemente ameaçadas a perder o teto que conquistaram com tanto esforço.

Tem sido difícil chamar a atenção para o drama da Vila Santa Francisca e é incerto o destino daquela comunidade. A narrativa dessa luta é mais um símbolo da frieza do poder do grande capital que não tem espaço para a humanidade e a solidariedade. Mas a história já mostrou que não tem desafio grande o suficiente diante de pessoas organizadas, comprometidas com a luta por seus direitos.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
 

Edição: Vanessa Gonzaga