O 1º de maio, uma das mais antigas datas internacionais de luta dos trabalhadores foi um placo das importantes experiências de luta que marcaram a história. Agora, os impactos da pandemia para a vida da classe trabalhadora e o retrocesso nos direitos trabalhistas marca a data neste período pandêmico.
Para entender melhor a história da data e quais tem sido as pautas de lutas atuais, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com o historiador e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco e membro permanente da Pós-Graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Marcelo Marques; e o advogado trabalhista, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e colunista do Brasil de Fato Pernambuco, André Barreto. Confira os principais trechos da entrevista:
As origens
O 1º de maio se tornou um feriado em que as pessoas aproveitam para descansar, mas poucos conhecem a história de luta por trás da data. O historiador e professor, José Marques, explica que o marco remete à uma grande Greve Geral que aconteceu em Chicago, nos Estados Unidos em 1886, e que acabou por se estender por outros estados norte-americanos com uma reivindicação central: a diminuição da jornada de trabalho.
O movimento foi duramente reprimido e virou comoção internacional. “Esse não foi a primeira greve respondida com violência, mas acabou se tornando mais emblemática”, comenta.
Desde o princípio desse movimento, o caráter coletivo da luta era fundamental, explica o professor. "Quando Marx falou aquela célebre frase 'trabalhadores de todo o mundo, uni-vos', ele quis justamente enfatizar essa dimensão global e mundial da exploração". Sendo então uma opressão compartilhada por todos os trabalhadores, a data se torna um símbolo para marcar uma luta de reivindicações de trabalhadores e trabalhadoras que é diária.
Descaracterização da data
No Brasil, o 1º de maio se tornou feriado nacional em 1924, com o presidente Arthur Bernardes. "Quando Getúlio Vargas assumiu o poder, ele atribuiu um outro sentido à data". O professor explica de que maneira isso se deu: a data foi transformada em um dia de celebração ou um dia de festa do trabalho; usada como propaganda getulista, a data passou a ser utilizada tradicionalmente como dia para conceder aumentos salariais. "Isso foi uma forma sutil de domínio dos trabalhadores. Vargas acabou se colocando como alguém que concedia direitos".
E as medidas não foram por acaso, havia uma intenção ao retirar da data o seu sentido de luta e transformá-lo em momento de confraternização entre patrões e empregados. As medidas faziam parte de um projeto conciliador de Vargas, explica José. Exemplo disso foi a criação das Juntas de Conciliação e Julgamento, que hoje seriam as varas de trabalho. "A conciliação seria a materialização de uma suposta harmonia entre as classes".
José destaca, ainda, a importância da luta e da mobilização coletiva na garantia dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. "É necessário manter as utopias. São elas que movem o mundo, nenhum direito foi conquistado sem elas. Sem elas, nos colocamos em um campo de inércia e de perplexidade grande", adiciona.
A luta dos trabalhadores do campo
Quando se fala sobre o 1º de maio, é comum pensar principalmente na organização dos trabalhadores urbanos. Mas por todo o país, e especificamente em Pernambuco, há também importantes experiências de organização dos trabalhadores do campo, em que se destacam líderes sindicalistas que foram perseguidos na Ditadura Militar e também as ligas camponesas e os sindicatos rurais. Durante muito tempo, o mundo rural foi excluído dos direitos, enfatiza José.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de Getúlio Vargas de 1943, por exemplo, excluiu a categoria. “Nos seus primeiros artigos, no artigo 6º, 7º na CLT, dizia: ‘essa lei não se aplica aos trabalhadores rurais’, que na época representava a maior parte da força de trabalho no Brasil”, explica. Apenas 20 anos depois, seria promulgado o Estatuto do Trabalhador Rural.
Nesse momento, se destacam as ligas camponesas e os sindicatos. Se por um lado, os sindicatos reivindicavam direitos trabalhistas como o direito à férias, 13º, aviso prévio, licença-maternidade, por exemplo; por outro, as Ligas tinham sua bandeira principal na reforma agrária, que seria o elemento raiz e fundamental do processo de exclusão do homem do campo.
Governo Bolsonaro
O Brasil de 2021 vive uma crise política, sanitária e social. O desemprego atinge o recorde de 14,3 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse cenário, o advogado trabalhista André Barreto afirma que o programa econômico do Governo Bolsonaro executa um programa ultra-liberal e conservador de ataque à direitos básicos, liberdades, direitos trabalhistas e previdenciários.
“Eles executam o programa que a direita liberal, que o alto empresariado exige ser executado”, afirma. Um dos marcos, para ele, foi a Reforma Trabalhista. Aprovada durante o Governo Temer, em 2017, a reforma alterou mais de 200 pontos na CLT. A partir de então, o Governo Bolsonaro deu continuidade ao projeto.
"Ele tentou por várias vezes implementar a chamada 'cartilha verde e amarela', porque a atual carteira de trabalho seria muito pesada para o empresário, o que inibiria investimentos na produção e na geração de empregos", comenta o advogado. A cartilha faz parte da Medida Provisória (MP) 905, que alterava mais de 86 itens da CLT, mais uma vez reduzindo direitos. "Essa cartilha seria uma regulação mais 'simples', 'leve', e 'não custosa ao empresário'". A medida foi lançada no final de 2019, mas não foi convertida em lei em 2020 e, portanto, perdeu a vigência.
Regulação do home office
Durante a pandemia, houve um aprofundamento no uso das tecnologias digitais. André Barreto diferencia o “teletrabalho” do “home office”. O primeiro não implica no trabalho em casa, mas sim em um trabalho realizado por meios virtuais, independente do local em que seja feito, ao contrário do home office, que é precisamente o trabalho em casa.
O advogado explica que o principal impacto do teletrabalho é que não há uma regulação da jornada de trabalho, o que, por vezes, leva ao abuso do empregador para com o trabalhador, que pode extrapolar o horário de trabalho para bater metas.
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Ao contrário do teletrabalho, que conta com alguns dispositivos na CLT, o home office ainda não está regulado na legislação brasileira. E para o advogado, não é interessante regulá-lo da mesma maneira que o teletrabalho, visto que são distintos. "O home office nesse tempo de pandemia é uma coisa temporária. O contrato quando passa para a modalidade de teletrabalho é quando se torna permanente", explica.
Sindicalização
Por fim, dentre outras questões, em um cenário em que a taxa é de apenas 11,2% de filiação a sindicatos, menor taxa desde 2012, André reforça a relevância dos sindicatos como mediadores da negociação com empregadores. “Em uma relação entre trabalhador e uma empresa ou até mesmo uma multinacional, não existe uma relação de diálogo e paridade, o trabalhador não tem a menor chance de dizer ‘não aceito’”, afirma. Para ele, o que ocorre geralmente é uma imposição aos trabalhadores e, nesse sentido, os sindicatos atuam para evitar essa desigualdade na relação de trabalho.
Edição: Vanessa Gonzaga