A literatura salva não somente porque encanta, entretém, informa, mas porque liberta
Há cerca de duas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a taxação de livros, alegando que, no Brasil, só os mais ricos leem. Além de ser não ser fiel à verdade – a mais recente edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra que houve maior queda na leitura entre as classes A e B –, o ministro anda na contramão, atrapalhando o trânsito de quem trabalha, há décadas, para incentivar a leitura, especialmente entre os mais jovens.
Por certo, o ministro deve saber que não existe pensamento crítico sem leitura. E sem pensamento crítico, não há exercício pleno da cidadania. A literatura salva não somente porque encanta, entretém, informa, mas porque liberta do cativeiro da ignorância, onde sempre seremos abusados, manipulados, ludibriados, como temos visto acontecer com milhares de pessoas nesse país desde que a direita chocou o ovo da serpente.
Parafraseando o poeta Gilberto Gil, eu diria que a leitura nos dá régua e compasso. Sem exagero, fui salva por ela de variadas maneiras, desde os 14 anos, quando comecei a pegar livro emprestado na biblioteca da escola, em minha terra Bodocó, para ler em casa. Naquelas páginas, eu viajava por trilhas nunca antes trilhadas. Descortinava mundos que nem sequer imaginava que existissem. Aliás, mais uma informação para o ministro: nem toda pessoa que lê compra livros. E não compra porque não pode. E vai poder menos ainda se ficarem 12% mais caros.
Em qualquer outro país, em meio a uma pandemia que nos mantém confinados, estaríamos falando de facilitar o acesso a leitura, não de dificultar. A arrecadação não compensará as perdas futuras. A leitura é parte indissociável do processo educativo. As crianças deveriam ser alfabetizadas lendo poesia para melhor compreender a dialética e a subjetividade do mundo. E os jovens, a partir dos 14 anos, precisariam ser cativados por uma política de encantamento pelo livro para não perdermos esses leitores na vida adulta. É como prega o nosso poeta Castro Alves:
“Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”
Em vez de taxação, precisamos falar de sedução. De usar a magia do livro para encantar jovens que irão construir uma sociedade pensante, mais consciente, crítica, atenta, antenada. E se o ministro acredita mesmo que a taxação só vai afetar os mais ricos, que taxe as grandes fortunas e deixe as letras em paz!
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga