Pernambuco

Coluna

Trevas Luminosas

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Buscamos no estudo da teologia uma síntese entre a via apofática de uma teologia do mistério e a via catafática, ou seja, de uma teologia afirmativa sobre Deus - Ateliê 15
Alternância harmoniosa entre mistério e revelação, conhecimento e incompreensibilidade, trevas e luz

Entrei na escuridão da noite e encontrei Deus vestido num manto de trevas luminosas. Encontro do seu Mistério com o meu mistério... Trevas de Deus em minhas trevas. Trevas de Deus que “habitam uma luz inacessível” ( 1 Tm 6,16). Um encontro assim torna o mistério mais misterioso, porém resplandecente, expulsando uma falsa claridade por trevas luminosas.

Ele vem ao meu encontro, “os céus Ele baixou e então desceu pousando em nuvens pretas os seus pés. Um querubim o conduzia no seu vôo, sobre as asas do vento Ele pairava. Das trevas fez um véu para envolver-se, escondeu-se em densas nuvens e água escura. No clarão que procedia de seu rosto, carvões encandecestes se ascendiam” ( Sl 17,10-13 ).

Na noite vejo Deus, “trevas e nuvem o rodeiam no seu trono... vai um fogo à sua frente... seus relâmpagos clareiam toda a terra” ( Sl 96,2 ). Agora entendo o salmista. “Se eu pensasse: ‘a escuridão venha esconder-me e que a luz ao meu redor se faça noite!’ Mesmo as trevas para vós não são escuras, a própria noite resplandece como dia, e a escuridão é tão brilhante como a luz” ( Sl 138,11-12 ). Essa frase me mexe todo por dentro em fim, ela é a minha vida espiritual, a minha vida toda: “A escuridão é tão brilhante como a luz”.  Na escuridão com Davi eu canto: “Bendize, ó minh’alma, ao Senhor! Ó meu Deus e meu Senhor, como sois grande! De majestade e esplendor vos revestis e de luz vos envolveis como num manto” ( Sl 103,1-2 ).

Enquanto escrevo, Deus do céu dá gargalhadas de mim se divertindo às minhas custas, pois se ri das coisas que dançam no papel aqui na terra. Ele se rir e diz: “Não é nada disso, meu Fabinho, não é nada disso!” É verdade, não é nada disso. Bem, é tudo isso que estou escrevendo, mas a experiência está no papel não estando, e não estando está. Paradoxos e contradições! Alternância harmoniosa entre mistério e revelação, conhecimento e incompreensibilidade, afirmação e negação, linguagem e inefabilidade, transcendência e imanência, noite e dia, trevas e luz.

Buscamos no estudo da teologia uma síntese entre a via apofática de uma teologia do mistério e a via catafática, ou seja, de uma teologia afirmativa sobre Deus. Mas quando se trata de experiência de Deus, é mais certo o que a gente não consegue dizer. Se puder dizer alguma coisa, de resto se sente uma sensação do “não dito”. Manoel de Barros no Livro sobre o nada escreve “Tem mais presença em mim o que me falta”. É certo tudo aquilo que escrevo agora mas é bem mais certo o que não disse, o que está escondido, o que não sei dizer, inexaurível, inefável, secreto, escuridão luminosa... é bem mais certo aquilo que em mim é silêncio e solidão habitada pelo Mistério.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga