Se diferenciar de um governo protofascista demanda coragem na execução das políticas públicas
Amigas e amigos que vivem fora de Pernambuco, em especial a turma que mora lá pelas bandas do Sul e Sudeste, costumam olhar pra cá com certo romantismo. Algumas dessas pessoas acreditam que, por não estarmos sob governos bolsonaristas, vivemos numa espécie de “bolha socialista” em pleno Brasil do retrocesso. De fato, é um grande alívio não estarmos sendo comandados por fundamentalistas ou negacionistas convictos, mas estamos longe – bem longe – de poder comemorar a atuação do poder executivo, seja durante a pandemia, seja na forma de governar o nosso estado há quase 16 anos. Uma hegemonia que já passou da hora de acabar. Marcada por uma megacoalizão de partidos que vai do PSL até o PCdoB, o PSB faz uma gestão de tom ameno e sem avanços no sentido de universalizar direitos humanos. Uma forma de governar que precisa – urgentemente – ser superada em nosso estado.
Não faltaram oportunidades para que o governador Paulo Câmara e sua turma se afirmassem no campo progressista. Passo direto pelo episódio do golpe de 2016, quando votaram em peso contra a presidenta Dilma, pra não me chamarem de rancoroso. Mas lembro da pouca oposição que fizeram ao governo Temer depois de terem iniciado em sua base. Da protocolar participação no segundo turno da disputa presidencial de 2018. Do apoio à eleição do candidato do governo à presidência da Câmara Federal. Da quantidade de bolsonaristas que até hoje integram as bases PSBistas tanto na Câmara Municipal do Recife quanto na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Salvo poucas exceções, a turma do PSB costuma ser comedida até nas críticas que faz ao genocida. Nos atos pelo impeachment de Bolsonaro, embora encontre pessoas filiadas ao partido, não me recordo de jamais ter visto os figurões que dão as cartas nas gestões municipal e estadual.
Se diferenciar de um governo protofascista demanda coragem na execução das políticas públicas. Exige ousadia de quem acredita que pode fazer diferente com o orçamento que tem em mãos. Vigor (pra usar uma palavra da moda) pra mostrar que governar com o povo é melhor, que priorizar os que mais precisam é a saída para o buraco em que nos metemos.
Pra quem se posiciona no campo mais progressista do espectro político, é até constrangedor ouvir aqui e ali, seja de interlocutores de direita ou desinformados, que temos um governo “de esquerda”.
Será mesmo que um governo socialista teria investido tanto em prender gente quanto o nosso? A população prisional pernambucana já passa de 30 mil pessoas, enquanto a sensação de insegurança permanece palpável na população. Será que um governo socialista não teria investido mais em comunicação pública do que na privada? Será que não teria compreendido a importância de recurso estadual na atenção básica dos municípios, que perdeu uma fortuna com a mudança da forma de financiamento pelo governo federal?
Durante a histórica e inédita pandemia, um governo realmente de esquerda teria tomado o lado do “mercado” com tanto apego em detrimento das medidas de isolamento social imprescindíveis para que morresse menos gente antes de a vacina chegar? Ou teria feito das tripas coração pra que as camadas mais vulneráveis da nossa população pudessem ficar em casa, com assistência material do governo, enquanto não pudessem ser definitivamente imunizadas?
A crise é sanitária e, cada vez mais, afeta nossa economia. E quais são as saídas ousadas e criativas que o nosso governo tem encontrado? Será que não seria uma oportunidade pra se investir pesado na agricultura orgânica e familiar, por exemplo, que tem garantido a sobrevida de milhares de pessoas? Será que, com dinheiro, não poderíamos estar produzindo música, cinema, televisão e cultura nas mais diversas linguagens, com amplo investimento que garantisse não apenas a sobrevida da nossa cadeia produtiva, mas também uma fonte de renda e visibilidade para outros produtos pernambucanos? Com o exponencial aumento das associações canábicas e de pessoas que usufruem das propriedades medicinais da maconha, será que já não poderíamos sair na frente e criar um Programa Nacional da Maconha que começaria pela produção de medicamentos (para distribuição no SUS e exportação), mas que poderia também fomentar a indústria têxtil, o turismo, a manufatura de cosméticos?
Nos orgulhamos muito de nossos pólos industriais, agrícolas e do nosso Porto Digital, por exemplo. Mas falta atenção nas desigualdades não enfrentadas na zona rural, nem na absurda quantidade de vagas de trabalho abertas no mercado da tecnologia sem que nossa juventude negra e periférica tenha condições de disputá-las.
Se o capitalismo está no divã e a pandemia aprofundou as contradições do sistema, não seria a hora de repensar de vez a tarefa do Estado em dar início à sua superação? Com o PSB não dá. E não é nem porque a turma é “do mal” ou algo que o valha. Mas não há como ficar 16 anos no poder, tendo desenvolvido tantos ‘tentáculos’ em instituições públicas e privadas, sem se contaminar fortemente com o conservadorismo que impregna as paredes dos prédios governamentais. A saída, mais do que nunca, precisa ser à esquerda.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga