O maior derramamento de petróleo da história do Atlântico Sul não terá culpados nem punições. A denúncia foi feita por movimentos pesqueiros e organizações que compõem a campanha Mar de Luta. Em carta, lançada nesta terça, 4, ativistas repudiam o encerramento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Óleo, criada em novembro de 2019, e responsabilizam parlamentares bolsonaristas por manobras para evitar que o presidente Jair Bolsonaro fosse atingido pelas investigações sobre o mais extenso acidente ambiental no litoral brasileiro.
Sem um relatório final, o encerramento da CPI que investigava o derramamento de petróleo na costa brasileira “abre brecha para que novos desastres aconteçam, encontrando as comunidades vulnerabilizadas e o Estado despreparado para o seu enfrentamento“, diz a carta.
O óleo derramado no mar atingiu 130 municípios brasileiros, em 11 Estados, do Pará ao Rio de Janeiro, impactando mais de mil localidades, incluindo 40 Unidades de Conservação. Somente no Estado do Rio Grande do Norte foram 14 municípios impactados com o vazamento de petróleo, 43 pontos atingidos, 14 animais oleados e 34 toneladas recolhidas de material tóxico.
Chegaram a ser realizadas 15 reuniões e audiências públicas na Câmara até que as atividades das comissões fossem suspensas, em março de 2020, por causa da pandemia da covid-19. O objetivo da CPI era investigar as origens do petróleo, avaliar as medidas tomadas pelos órgãos competentes, apurar as responsabilidades pelo vazamento, além de propor ações para mitigar e reverter os danos, assim como a ocorrência de novos eventos desse tipo. Parecer da Comissão, de dezembro de 2019, sobre desastre do óleo nas praias indicou negligência das autoridades federais.
“A CPI teve as suas atividades suspensas em conjunto com outras comissões, em março de 2020, devido à pandemia. Em março de 2021, deputados/as que compõem a CPI do Óleo fizeram requerimento para prorrogação do prazo de funcionamento da mesma, e, em abril deste ano, veio o ato derradeiro: no momento em que a prorrogação seria apreciada em Plenário, o deputado líder do Governo, Ricardo Barros (PP – Paraná), apresentou requerimento solicitando a retirada do pedido de prorrogação da pauta, sob alegação de perda do prazo regimental”, afirma a carta.
Documento lançado pela Campanha Mar de Luta cobra que a CPI seja reaberta e os trabalhos retomados. Confira a Carta na íntegra:
Carta de Repúdio pelo Encerramento da CPI do Óleo
Nós, dos movimentos organizados de pescadores e pescadoras artesanais, de movimentos ambientalistas e de organizações de luta por Direitos Humanos, reunidos na Campanha Mar de Luta, vimos, por meio desta Carta, manifestarmos a nossa preocupação e repúdio ao encerramento da Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) do Óleo, sem a sua devida conclusão, ocorrida nesse mês de abril.
Os impactos do derramamento do Petróleo, que aconteceu em todo o litoral do nordeste e em parte do litoral do sudeste do país em 2019, nunca foram devidamente dimensionados. Conhecido como o maior crime ambiental já ocorrido no Brasil e o maior derramamento de petróleo da história do Atlântico Sul, a contaminação da costa brasileira que atingiu 130 municípios brasileiros, em 11 Estados, do Pará ao Rio de Janeiro, impactando mais de mil localidades, incluindo mais de 50 Unidades de Conservação, segue sem respostas.
Após a realização de 15 reuniões e audiências públicas na Câmara, a CPI teve as suas atividades suspensas em conjunto com outras comissões, em março de 2020, devido à pandemia. Em março de 2021, deputados/as que compõem a CPI do Óleo fizeram requerimento para prorrogação do prazo de funcionamento da mesma, e, em abril deste ano, veio o ato derradeiro: no momento em que a prorrogação seria apreciada em Plenário, o deputado líder do Governo, Ricardo Barros (PP – Paraná), apresentou requerimento solicitando a retirada do pedido de prorrogação da pauta, sob alegação de perda do prazo regimental. Assim, a CPI do Óleo foi encerrada numa explícita manobra dos/as deputados/as da base governista.
Iniciada em novembro de 2019, a CPI do Óleo tratava de assunto de extrema relevância ambiental, social e econômica, e de interesse de toda a sociedade brasileira, constituindo-se um direito insuprimível dos/as cidadãos e cidadãs deste país, o conhecimento da verdade e o esclarecimento dos fatos que levaram ao derramamento que tanto prejudicou o meio ambiente e os interesses da coletividade. Para as comunidades tradicionais pesqueiras a CPI representava uma das poucas esperanças em um procedimento investigativo adequado para o caso, investigação esta que apontasse medidas preventivas para situações semelhantes, e que apresentasse respostas sobre o caos que impactou severamente a vida das comunidades tradicionais pesqueiras e que foi intensificado com o início da pandemia do Coronavírus, em 2020.
A finalidade da Comissão era investigar as origens das manchas de óleo que se espalharam pelo litoral do Nordeste, bem como avaliar as medidas que foram tomadas pelos órgãos competentes, apurar responsabilidades pelo vazamento e propor ações que mitigassem ou cessassem os atuais danos e a ocorrência de novos acidentes. O encerramento precoce da Comissão não permitiu que os objetivos fossem atingidos e as perguntas motivadoras parecem estar longe de serem respondidas pelo Congresso e pelo executivo, que desde o primeiro momento, ignorou a dimensão da crise e os seus impactos.
Boa parte dos pescadores teve a venda do seu pescado prejudicada. Em 9 estados nordestinos, 40,4% dos pescadores artesanais entrevistados pela pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco, no começo de 2020, relataram que estuários e/ou manguezais próximos foram atingidos, 67,5% relataram queda de renda por conta do petróleo nas praias. A redução da renda média entre os pescadores foi de 37,8%.
O silenciamento sobre as dimensões e impactos dessa crise parece repetir o que aconteceu no auge do derramamento, no ano de 2019, quando houve um atraso de quase um mês na divulgação do crime pelos veículos de comunicação, como demonstrado pela pesquisa Vozes Silenciadas, realizada pelo Intervozes. Os pescadores e pescadoras artesanais também continuam sendo ignorados e os impactos no meio ambiente e na saúde dessas comunidades continuam desconhecidos. Essa postura abre brecha para que novos desastres aconteçam, encontrando as comunidades vulnerabilizadas e o Estado despreparado para o seu enfrentamento.
Ao permitir o encerramento da CPI, o Congresso se torna cúmplice da desastrosa política ambiental do desgoverno de Bolsonaro e do seu Ministro inimigo do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Compactua também com o empobrecimento e adoecimento das comunidades pesqueiras impactadas. Por essas razões, nós da Campanha Mar de Luta, reivindicamos a reabertura da CPI do Óleo e exigimos respostas que abranjam a realização de pesquisas autônomas e a responsabilização do Estado pela omissão no diagnóstico e enfrentamento desses impactos. É inaceitável que passados quase dois anos desde o aparecimento das primeiras manchas, continuemos sem respostas sobre os verdadeiros culpados!
Brasília, 4 de maio de 2021
Campanha Mar de Luta