Quando iremos nós romper nosso silêncio e reivindicar a saída de Bolsonaro da presidência?
O ex-Ministro da Saúde, Pazuello, impetrou habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para ter direito a ficar em silêncio durante a sua ouvida na CPI da Pandemia. O habeas corpus foi concedido e, assim, teria o ex-Ministro o direito de não responder a nenhuma das perguntas formuladas pelos senadores.
O direito ao silêncio é derivado “do princípio nemo tenetur se detegere”, segundo o qual o investigado (ou acusado) não tem nenhuma obrigação de colaborar com a produção de provas prejudiciais ao seu estado de inocência. Ou seja, ninguém é obrigado a formular provas contra si mesmo.
Para além das questões dos princípios fundamentais do réu, ou seja, a necessidade de garantir a integridade moral (e física) de qualquer acusado, o princípio da não autoincriminação também garante que exista a paridade de armas em uma investigação e em um processo penal. Levando em conta o tamanho da força estatal, que possui órgãos, funcionários, todos trabalhando para formar provas contra o acusado, não faz sentido colocar o particular também como responsável por fazer o trabalho dos policiais e promotores, o de provar a sua própria culpa.
Embora o processo penal seja guiado por esse princípio, o próprio processo penal encoraja também a confissão do réu, determinando inclusive a redução da pena, uma vez que com a confissão, o acusado colaborou com a justiça e, ainda, mostrasse efetivamente arrependido do crime que cometeu.
Quando Pazuello ganhou, na justiça, o direito ai silêncio, não pareceu uma surpresa para os criminalistas no Brasil. E, de fato, não foi. Diferentemente do que defendem as mentes fascistas e perversas dos bolsonaristas, para os que defendem a democracia e a vida, a lei é um instrumento que deve funcionar de forma igualitária para todo. O silêncio deve ser garantia de quem não quer se incriminar. E esse mesmo silêncio não pode repercutir negativamente para o acusado, quer dizer, a justiça ou o investigador não podem afirmar: “já que o acusado não respondeu tal questão, então ele assume tacitamente que é verdade”. Aqui é mais um momento em que o silêncio não consente.
A surpresa mesmo foi Pazuello ter respondido as questões. Para quem conhece minimamente de processo penal, o ex-Ministro em sua ouvida parecia sequer se lembrar dos ofícios e documentos assinados pelo próprio Ministério da Saúde, em sua gestão, que comprovam sua ciência a respeito da falta de oxigênio em Manaus, da falta de medicamentos para garantir a intubação dos pacientes internados com covid, bem como na promoção e produção de cloroquina pelo exército durante o tempo em que era Ministro e a omissão nas negociações de compra de vacina para os brasileiros. Esquecendo-se disso tudo e ignorando seu direito ao silêncio, falou e protegeu seu chefe, Jair Bolsonaro, tentando blindar o presidente quanto a pavorosa, incompetente e genocida gestão. Alguns dias após seu depoimento na CPI, Pazuello participou de ação a favor de Jair Bolsonaro onde, novamente, falou e ovacionou a gestão do seu chefe, responsável por mais de 450 mil mortes por COVID19 no País.
Muitas pessoas nas redes sociais mostraram-se indignadas com Pazuello. E aqui falo especificamente com o fato do ex-Ministro ter o direito de permanecer em silêncio em seu depoimento. A maior parte delas, é verdade, não tem formação criminológica e, por isso, pode não conhecer da importância que o princípio da não autoincriminação tem no Estado Democrático de Direitos. E, ainda, levando em conta o descaso e a quantidade de mortes, é difícil não se indignar.
Mas a essas pessoas eu pergunto se já ouviram uma frase atribuída a Martin Luther King: “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Quando iremos nós romper nosso silêncio e reivindicar a saída de Bolsonaro da presidência da República? Já não é hora de acordarmos do choque de termos perdido a eleição para o fascismo? Uma classe média que em sua imensa maioria foi em bares, restaurantes, shoppings, ao longo de toda a pandemia, irá também compor as fileiras dos atos contra a política de morte de Bolsonaro?
Somos um país no qual a defesa do “silêncio dos maus” como princípio democrático para garantir uma limitação ao poder do Estado indigna mais do que o “silêncio dos bons” frente a quase meio milhão de mortes, a fome e ao descaso.
Para o dia 29 de maio estão sendo puxados vários atos em todo o país contra Bolsonaro e exigindo a sua retirada da presidência da república. É tempo de nos indignar. Bolsonaro mata mais que o vírus.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga