Pernambuco

há quem defenda

“Bala no olho não é um acaso", afirma vereadora do PCdoB sobre ação da PM no Recife

Após ataque a vereadora no Recife, PM recebe críticas de todas as linhas ideológicas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Vereadora foi até as viaturas na tentativa de impedir que ataques com tiros e bombas continuasse - Tarsio Alves

No último sábado (29) movimentos populares, estudantes e sindicatos realizaram manifestações em todo o país pedindo agilidade na vacinação, auxílio emergencial no valor de R$600 e o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. No Recife, o ato levou cerca de 5 mil pessoas às ruas do centro da cidade e transcorreu de maneira pacífica, mas acabou brutalmente atacado pela Polícia Militar. O Batalhão de Choque e a Rádio Patrulha lançaram bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e tiros de bala de borracha, deixando dois trabalhadores cegos e muita gente ferida.

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), afirma que a ação não foi autorizada.  Entre as vítimas das agressões da Polícia Militar está a advogada, professora de Direito e vereadora do Recife, Liana Cirne (PT), que teve spray de pimenta disparado diretamente contra seu rosto quando discutia com policiais. No mesmo dia a Câmara de vereadores, presidida por Romerinho Jatobá (PSB), emitiu nota de repúdio à ação policial.

Nesta segunda-feira (31), na sessão da Câmara do Recife, a ação da PM foi criticada. Companheira de partido da vice-governadora Luciana Santos e base de apoio do PSB tanto no município como no estado, a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) fez duras críticas à violência estatal e cobrou firmeza do governador Paulo Câmara (PSB). “Doa em quem doer, tem que se chegar a quem deu a ordem. Não basta afastar apenas as pessoas [policiais] que estavam lá cometendo essas atrocidades. Tem que cair a cabeça de quem deu a ordem”, afirmou. “Nunca vi uma cena daquela, em que os manifestantes se retiravam do ato pacificamente, mas foram acossados”, completa a vereadora.


Ataques se deram nas pontes Duarte Coelho e Princesa Isabel, se estendendo pela rua da Aurora / João Penna

Sobre os dois trabalhadores que ficaram cegos pelo ataque dos policiais, a vereadora também destacou que os tiros no rosto não são má sorte, mas método repetido pelas polícias na América do Sul em manifestações da esquerda. “Bala no olho não é um acaso. Hoje no Chile temos mais de 400 pessoas sem olho, porque isso é um método. Atirar bala de borracha na cabeça é um método para deixar com deficiência. Estão fazendo a mesma coisa na Colômbia”, destaca. “São países em que a população está em luta contra governos de direita”, diz a vereadora.

Imediatamente depois o vereador Rinaldo Junior (PSB) também cobrou o colega de partido. “O governador precisa urgentemente fazer mais do que está fazendo. Tem que apurar quem deu a ordem para aquele Batalhão de Choque da Rádio Patrulha começar a atirar nos manifestantes. Tem que apurar quem jogou spray de pimenta em toda a Câmara de vereadores do Recife”, disse ele, que afirma ter amigos e parentes na PM. “Esse movimento dos policiais militares não representa a Polícia Militar de Pernambuco”, completa.

O vereador do PSB reforça o pedido de Cida para que se puna também os superiores. “O povo do Recife pede que se apure e se puna os mandantes. Não aceitemos que esses péssimos policiais manchem a imagem dessa corporação na qual tenho plena confiança”, afirma. “Não podemos aceitar em hipótese alguma essa agressão sofrida por uma parlamentar eleita democraticamente. Ontem foi ela, amanhã pode ser um de nós”, opina.

A vereadora Liana Cirne (PT), vítima da ação policial, foi bastante dura nas críticas, destacando que aquela não foi uma ação de alguns policiais individualmente, mas algo pensado e preparado. “Infelizmente fui vítima de uma ação policial coordenada. Sou professora de direito há 20 anos e formei centenas de policiais. Nem eu, nem Jonas, nem Daniel, fomos vítimas de policiais desequilibrados, mas de policiais que tiveram comando para fazerem aquilo. Comando não para dispersar a manifestação, mas para reprimi-los, violentá-los”, cobrou.

A petista reforça as cobranças de punição aos envolvidos. “Faço questão de acompanhar pessoalmente os procedimentos disciplinares contra todos – não apenas aos policiais que me agrediram, que é insuficiente – mas sobretudo contra aqueles que planejaram a ‘inteligência’ daquela ação brutal, violenta e ilícita que aconteceu no sábado”, disse ela, pouco depois, às 14 da segunda-feira ela se encontrou com o governador Paulo Câmara.

Cirne também disse estar sendo vítima de ataques de ódio nas redes sociais, que estariam sendo instigados pelo deputado estadual Joel da Harpa (PP). “Um deputado estadual cujo nome não merece ser pronunciado pela minha boca. Um homem que tem coragem para atacar, na porta de um hospital, uma criança de 10 anos vítima de estupro. Pois eu digo a esse deputado: o senhor é ‘cabra macho’ para enfrentar uma criança, mas não é homem para me enfrentar, para enfrentar uma mulher feita”, bradou a vereadora.

Policial militar, evangélico e bolsonarista, em 2020 Joel da Harpa participou da invasão à maternidade do Cisam, quando uma criança de 10 anos, estuprada, fez um aborto legal. Ele e outros deputados foram ao centro médico para que a criança mantivesse a gravidez de risco e fruto do estupro. Desde sábado ele tem criticado o Governo do Estado por afastar o policial que comandou a operação, argumentando que a PM “estava cumprindo o decreto de restrições nos fins de semana”.

Em vídeo, sem conter o ar de riso, Joel da Harpa afirma que “o PM que que disparou spray de pimenta salvou a vida da vereadora” de um possível atropelamento. Outras publicações, dirigidas à vereadora, foram apagadas. E nesta segunda divulgou uma mensagem sobre “ser seletivo em suas batalhas”. À tarde, visitou o Batalhão de Choque e acusou o governador de estar perseguindo os policiais e “fazendo politicagem para a esquerda”.

Liana Cirne também confrontou o policial aposentado José Pires de Souza Filho, que se identifica como “Coronel Souza Filho”, militante bolsonarista, filiado ao PSC e candidato derrotado na disputa pela prefeitura de Palmares em 2020. “Ele disse ter sido uma palhaçada eu cair no chão, estimulando centenas de comentários de que eu deveria ter sido assassinada. Eu quero dizer a esse coronel que eu desafio o senhor a levar uma rajada de spray de pimenta diretamente no rosto a distância de um palmo. Se o senhor se mantiver de pé, então o senhor terá dignidade para dizer o meu nome”, disse a jurista.

Ela subiu o tom contra os militares que a estão atacando nas redes sociais. “Vocês são ‘cabras frouxos’, covardes, que estimulam a violência contra o povo desarmado. [Os dois] estão desafiados, o deputado e o ‘coronelzinho’. Covardes e agressores de crianças, agressores de trabalhadores que perderam a visão indo comprar carne no supermercado e adesivo para trabalhar”, emendou. Sobre a possibilidade de ação policial com motivações políticas, Cirne foi curta. “Se existe bolsonarismo no seio da polícia, que isso seja desmontado”, cobrou.


Manifestação reuniu cerca de 5 mil pessoas, que caminharam em fileiras, com distanciamento e máscaras / João Penna

Até do vereador bolsonarista Fred Ferreira (PSC) criticou a ação da PM. “Temos que repudiar tudo aquilo que aconteceu. A força brutal que a Polícia Militar teve naquele ato foi muito grande. Não precisava daquilo”, diz ele, que menciona como “absurdo” o caso das duas pessoas que receberam tiros de bala de borracha nos olhos e ficaram cegas.

Ferreira, porém, não abriu mão de equiparar a ação policial à reação dos manifestantes, que após serem bombardeadaos e baleados, lançaram pedras contra a polícia. “Mas não adiantava as pessoas reagirem. Quando a Polícia começou a atirar, elas deveriam recuar. Mas foram afrontar a Polícia Militar. Ainda que a Polícia tenha errado, as pessoas não deveriam jogar pedras. A Conde da Boa Vista ficou um desastre total, depredada”, disse ele. “As pessoas da esquerda realizaram um ato quando estava em vigor um decreto estadual para as pessoas não irem para as ruas. Teimaram em se reunir”, completa.

O vereador acha que as ações da PM, ainda que criminosas, não devem ser criticadas no momento, só posteriormente. “A vereadora Liana foi agredida, mas ela foi confrontar a polícia. Isso não pode”, completa. Pelo menos ele ponderou que também houve manifestações da direita e ações do tipo por parte da PM nunca ocorreram. Fred Ferreira também acha que o momento não é de confrontar os militares, mas de dar as mãos. “A Polícia Militar está errada, mas não podemos polarizar esse momento. Não podemos aproveitar esse fato para gerar mais ódio, atacando outras pessoas e o poder público”, opina.

Também evangélicos e bolsonaristas, Michele Collins (PP) e Renato Antunes (PSC) destacaram que o protesto conflitava com o decreto estadual de isolamento social.

Edição: Monyse Ravena