Já vimos um motim policial acontecer no Ceará
A intromissão maciça da violência na política é um fenômeno bem característico do século XX e foi amplamente estudado pela filósofa Hannah Arendt. Regimes totalitários oprimiram, torturaram e mataram usando da máquina estatal para manter as massas subjugadas pelo medo. No Brasil do século XXI, infelizmente estamos testemunhando tentativas de implantação de um governo autoritário, a partir de iniciativas que se configuram numa grave ameaça à democracia. Um exemplo são os episódios envolvendo policiais militares, como ocorreu no Recife, durante as manifestações do dia 29 de maio contra o presidente Bolsonaro.
O ataque violento de uma unidade policial a manifestantes que seguiam pacificamente pelas ruas do Recife, sem autorização do governo de Pernambuco para tanto, acende o sinal de alerta. Afinal, esse não é o primeiro caso ocorrido no país desde a eleição de Bolsonaro. Já vimos um motim policial acontecer no Ceará e bolsonaristas – incluindo parlamentares – insuflarem tensão na Polícia Militar da Bahia e insubordinação ao governo estadual depois que um policial, em surto atirou contra colegas e acabou sendo morto.
Os fatos ocorridos no Recife são graves e exigem pronta apuração e punição dos responsáveis por causar lesões graves em cidadãos indefesos e atentar contra o direito constitucional à livre manifestação. A apuração rigorosa do fato é fundamental para separar o joio do trigo, os maus dos bons policiais, contribuindo para preservar a própria instituição de segurança pública, que tem papel indispensável na manutenção do regime democrático.
Nesse momento de agravamento das crises sanitária, econômica e política, toda sociedade precisa estar atenta ao uso das forças de segurança para fins obscuros, a cooptação de militares para a manutenção do poder. Mesmo o vice-presidente, general Hamilton Mourão, já reconheceu (durante o motim no Ceará) que “quando a política entra pela porta da frente de um quartel, a disciplina e a hierarquia saem pela dos fundos.”
A queda de popularidade do presidente Bolsonaro, constatada por diversos institutos de pesquisa, pode ser um estimulante a essas aventuras perigosas. Basta lembrar como ele costuma sempre mencionar “seu Exército” e incentivar manifestações flagrantemente inconstitucionais. Se, como afirma Hannah Arendt, é a desintegração do poder que enseja a violência, quanto mais fragilizado o presidente se sentir, mais motivos teremos para nos preocuparmos até as eleições de 2022.
Edição: Monyse Ravena