Pernambuco

Coluna

Continuaremos ocupando as ruas e reivindicando tudo que é nosso por direito

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Ato contra a ameaça de despejo da Vila Claudete - PH Reinaux
com o dinheiro do auxílio eu pagava um barraco no Brum, mas sem auxílio eu ia fazer o quê?

Saindo de um ato organizado pelo Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) na ocupação Vila Claudete, no Cabo de Santo Agostinho, contra o despejo de 67 famílias durante o período da pandemia, conheço Bruna, na ocupação Leonardo Cisneiros, no centro do Recife, enquanto a gente segurava a faixa “Despejo na pandemia é crime” em um outro ato organizado pelo MST que denunciava a violência e o despejo utilizados pelas forças policiais no Acampamento Bondade, na cidade Amaraji. Ocupação, despejo, ato, repressão. Ela me disse assim “com o dinheiro do auxílio eu pagava um barraco no Brum, mas sem auxílio eu ia fazer o quê? Só me restou ocupar”. Eu concordo inteiramente com o argumento dela. E a gente se perguntou aonde isso tudo vai parar?

As famílias vivem cada vez com menos condição de acesso a direitos, bens, serviços. Que opção o Estado brasileiro está oferecendo ao seu povo? Somamos quase 15 milhões de pessoas sem emprego, uma ínfima parcela de famílias recebe um pífio auxílio emergencial que não garante nem a sua alimentação durante infindável mês, que dirá a cobertura de outros gastos? Considerando que a maior parte da classe trabalhadora paga aluguel, não tendo assegurado o direito à moradia garantido, o que fazer senão ocupar terrenos e prédios desocupados há décadas e sem função social?

Dona Samara, de Brasília Teimosa, nos contou que há mais de um ano está sem receber salário, por conta que as sequelas deixadas pela covid-19 não permitem que ela consiga voltar a trabalhar, assim está com um processo judicial em andamento, tendo que provar, por meio de muitos e inacessíveis exames, que merece receber os seus direitos trabalhistas. É mãe de seis filhos, mora de aluguel, o esposo está desempregado há cinco anos, não estão recebendo auxílio emergencial e só não estão morando na rua porque o seu sogro está conseguindo pagar o aluguel. E o que os faz não estar na ininterrupta situação de fome tem sido a solidariedade da vizinhança assim como ações de organizações populares que têm distribuído cestas básicas e alimentos. Na Igreja que participa, há três casas da sua, disseram que não poderiam fazer nada para ajudá-los.

A sensação é que estamos sendo espremidos, a especulação imobiliária avança, as torres luxuosas sobem e se multiplicam nas áreas consideradas nobres, os lugares aonde existiu intensa organização popular e, portanto ocupação e auto-construção, características marcantes da cidade do Recife e Região Metropolitana, tendo suas moradoras e moradores sendo pressionados a saírem, como se estivessem ocupando um lugar que não é seu por direito. Quem já está morando na rua, também sendo pressionado pela força do estado que só pensa em “erguer e destruir coisas belas” para o conforto das classes podres de ricas que vivem nesta cidade, a que no período de sua colonização foi a terceira no que se referiu à descendência, cultura e ancestralidade africanas, portanto o terceiro território mais negro do Brasil.

Diante da cidade com maior desigualdade social no Brasil, a pergunta insiste: o que o Estado planeja para essas milhares de famílias? Vão viver de quê? E onde? 

No último dia 29 de maio saímos às ruas reivindicando emprego, renda básica, comida no prato, vacina no braço e exigindo o fim desse governo pautado pela execução e morte. Um ato que prezou pela nossa vida e saúde, considerou o distanciamento social, o uso de máscaras, a distribuição de álcool em gel. Em todo o Brasil, o povo clamou para que seja estancado o atual genocídio em curso, caso contrário, em pouco tempo contaremos a infinitamente triste ausência de um milhão de pessoas assassinadas por esse governo criminoso.

Mais uma vez o que recebemos? Aqui no Recife, duas pessoas que passavam pela rua resolvendo questões de suas vidas cotidianas tiveram arrancadas a visão de seus olhos. Jovens negras e negros foram arrastados na avenida Avenida Conde da Boa Vista e detidos pela polícia. Outras tantas tiveram que conviver com os efeitos das balas e gás lacrimogêneo  em seus rostos, oferta possível distribuída pela polícia do governo do estado em seu gesto de “tamo junto” ao governo federal. Idosos, crianças, gestantes. Dezenas de  famílias que se encontram morando nas ruas do centro do Recife também foram atingidas. O desespero fez com que todos corrêssemos diferenciados riscos, pois neste momento da violência iniciada e executada pela polícia o distanciamento social foi por água abaixo. Assim, inclusive a mídia gerida pelas elites nos retratou.

Pessoas que dali voltariam para o aconchego dos seus, tiveram que ocupar filas de espera, leitos de hospitais, delegacias de polícia pagando com as suas próprias vidas pelo exercício de um plano que só oferece morte, fome e marginalização para o nosso povo.

Por enquanto, a possibilidade de disputa tem se dado apenas entre estes dois projetos. O que é construído pela teimosia do povo brasileiro e acredita na vida com dignidade, moradia, trabalho, saúde, educação e na exigência de justiça num país em que patroas assassinam crianças negras de cinco anos. O outro que nos trata como se fôssemos lixo. Inclusive, de acordo com o dicionário, para a palavra “despejo”, um dos significados é “o que se joga ao lixo. O que não se pode mais usar; dejeto”. Dessa forma as camadas populares têm sido tratadas pelo governo criminoso que vem autorizando a execução em massa nesse país, chacinas em comunidades negras e os recorrentes despejos durante o lastimável momento que atravessamos.

Continuaremos ocupando as ruas e reivindicando tudo que é nosso por direito! O sol há de brilhar mais uma vez!
 

Edição: Monyse Ravena