Pernambuco

TRANSFOBIA

Robeyoncé Lima: "O caso de Roberta corria o risco muito grande de passar batido"

A codeputada pernambucana acompanha caso de mulher trans que teve 40% do corpo queimado no centro do Recife

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Através das redes sociais, codeputada denunciou falta de visibilidade para casos de transfobia em Pernambuco - Reprodução/Facebook

No mês internacional do Orgulho LGBTQIA+, Recife foi palco de um crime brutal motivado por transfobia. Na madrugada do dia 24 de junho, Roberta Nascimento, mulher trans, negra e em situação de rua, teve seu corpo queimado no Cais de Santa Rita, centro da cidade. Com 40% do corpo comprometido, a vítima foi encaminhada para o Hospital da Restauração.

O agressor foi identificado como um adolescente. O suspeito foi apreendido pela Polícia Militar e encaminhado à Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente. Nesta quarta-feira (30), poucos dias após amputar o braço esquerdo devido à gravidade das queimaduras, uma nova cirurgia foi necessária e parte do braço direito de Roberta também foi amputado. 

O caso foi denunciado nas redes sociais pela codeputada estadual de Pernambuco pela "mandata" coletiva das Juntas, Robeyoncé Lima, primeira advogada travesti de Pernambuco. Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, a parlamentar falou mais sobre o caso e também sobre transfobia em Pernambuco. 

Confira os principais trechos:

Sobre o caso Roberta 

Robeyoncé explica ter tido conhecimento do caso a partir das redes sociais e que, a partir disso, resolveu usar também o seu perfil para dar mais visibilidade à situação. Após isso, foi pessoalmente visitar Roberta no hospital, onde ela estava internada na ala masculina. “Nós reivindicamos, além do atendimento de qualidade, a área específica de acordo com o gênero da companheira”, contou. A situação era delicada, segundo ela. “Queimaduras bem profundas no corpo, da cintura pra cima ela estava toda enfaixada; a situação toda bem grave. E ouvi da boca da Roberta que realmente tinha sido um caso motivado por transfobia”. 

 

Os órgãos responsáveis conseguiram entrar em contato com a família da vítima, que passou a acompanhar o caso. Preocupada em preservar a identidade e privacidade dela, a família pediu que algumas restrições fossem feitas em relação às visitações. Além disso, o hospital não deveria dar nenhuma declaração sem permissão. “Estava ficando uma coisa até um pouco fora do controle, segundo a família. A divulgação de fake news também estava bem forte”, compartilhou Robeyoncé. 

“É perfeitamente compreensível. Uma pessoa teve 40% do corpo queimado. Se for deixar qualquer pessoa entrar, qualquer outra pessoa também atentar contra sua vida mais uma vez”.

Robeyoncé denuncia que a situação de Roberta é a de muitas outras, que muitas vezes não chegam a ser notificadas e nem chegam a se tornar caso público. “Se não tivéssemos colocado essa denúncia nas redes sociais, muito provavelmente o caso de Roberta ia ser mais um dos casos de violência transfóbica que ia passar batido”, afirma. 

Papel do Estado 

Diante de toda essa situação, a codeputada atenta para o papel do Estado em casos de transfobia. Como exemplo, cita a LGBTfobia intrafamiliar. “Em todo o estado de Pernambuco, não temos nenhuma casa de acolhimento para os casos em que pessoas LGBTQIA+ são expulsas de casa. Muitas vezes, a pessoa que é expulsa de casa fica na rua”. Ela acrescenta que não chegou a conversar com Roberta para saber se esse foi o seu caso, mas que é um fator comum. “Isso é uma realidade que termina provocando a marginalização e a exclusão dessas pessoas e faz com que, por exemplo, 80%, 90% das mulheres trans, hoje, sobrevivam da prostituição”, destaca.

A partir disso, questiona o que o Estado tem feito sobre isso para agir de maneira preventiva. “Como o Estado tem planejado esse acompanhamento do vínculo familiar? Essa relação tem algum tipo de acompanhamento psicológico? Tem algum levantamento? Algum monitoramento em relação a essas questões?”, contesta.

Mobilização contra o transfeminicídio 

No dia 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBT, aconteceu um ato contra o transfeminicídio no Recife, organizado por diversas organizações políticas. Cerca de 150 pessoas se reuniram em frente ao Palácio do Campo das Princesas para se manifestar contra os casos de transfobia como o de Roberta. 

Robeyoncé destaca que o ato é uma reivindicação pela cidadania plena, o direito de viver, à educação, saúde, moradia, renda e empregabilidade. “Não vamos nos contentar somente com nome social, somente com hormônio. É mais do que essa cidadania concedida em blocos ou em suaves prestações, como o Supremo Tribunal Federal faz”. 

Pessoas trans em espaços de tomada de decisões

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições municipais de 2020, houve um recorde no número de pessoas trans que tentam uma vaga nas prefeituras ou câmara de vereadores. Ao todo, foram mais de 270 candidaturas confirmadas. Em 2016, 89 pessoas haviam concorrido. Nesse sentido, Robeyoncé fala sobre a importância de pessoas trans no meio parlamentar, mas também aponta para as dificuldades de ocupar esses espaços. 

“Até então eram outras pessoas que faziam pela gente. Era a cisgeneridade que fazia ações para o movimento trans, e com muita dificuldade. Quando falamos de protagonismo e lugar de fala é no sentido de nós mesmos termos a nossa voz e termos a possibilidade de ampliar os nossos próprios caminhos”, pontua. 

Por outro lado, estar nesses espaços enquanto LGBTQIA+ é estar vulnerável, aponta a co-deputada. Como exemplo, cita a vereadora Benny Briolly, que precisou sair do país após receber ameaças de morte; Jean Wyllys, ex-deputado federal que se exilou após perseguições; e, no pior cenário, Marielle Franco, que perdeu a vida. 

“Como é que nós, ao mesmo tempo, usamos esse local como espaço de denúncia dessa violação de direitos, mas também como encontramos uma maneira e estratégias para evitar o silenciamento dessas pessoas que fazem essas denúncias?”, questiona. 

Estar em um lugar de destaque não exime pessoas trans da violência, é o que enfatiza.  “Se você está em um país que mais mata pessoas trans no mundo, parece que não faz muita diferença ter um status ou não ter nenhum status, porque provavelmente você vai sofrer alguma violência do mesmo jeito. A diferença é em que momento, em que contexto e como a gente se prepara para isso”, finaliza. 
 

Edição: Monyse Ravena