Na manhã desta sexta-feira (9), a mulher trans Roberta da Silva, 32 anos, faleceu no Hospital da Restauração após ter seu corpo incendiado no terminal rodoviário do Cais de Santa Rita, no Centro do Recife. Apenas no estado de Pernambuco em menos de um mês aconteceram quatro casos emblemáticos de transfobia, dos quais quatro travestis terminaram mortas. Quatro mulheres com histórias diferentes, de lugares diferentes e que sofreram violência pelo mesmo motivo: transfobia.
No último dia 24 de junho Roberta teve seu corpo incendiado por um adolescente no terminal rodoviário do Cais de Santa Rita, no Centro do Recife. A travesti vivia em situação de rua e foi incendiada por um adolescente. O suspeito foi um jovem de 17 anos, que foi autuado por ato infracional análogo a tentativa de homicídio qualificado. Após avaliação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), o jovem foi encaminhado a uma Unidade de Atendimento Inicial (Uniai) da Secretaria de Criança e Juventude, segundo informações da Polícia Civil de Pernambuco.
Depois disso, diversos movimentos LGBTQIA+ se protestaram em frente ao Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco, onde se reuniram com secretários do Governo. “O movimento vinha há um bom tempo solicitando uma reunião pessoal com o governador Paulo Câmara, não só pela entrega do documento e pelo simbolismo do ato, mas também para conversar com o chefe do executivo para conversar sobre essas demandas, que não são de agora”, Robeyoncé Lima, primeira advogada transexual no Norte e Nordeste e co-deputada estadual pelo mandato coletivo Juntas (Psol).
Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 80 pessoas trans foram assassinadas no primeiro semestre de 2021, sendo a expectativa de vida das mulheres trans de 35 anos. Nos casos recentes em Pernambuco, apenas Crismilly Pérola Bombom havia superado este marco, aos 37 anos. Conhecida como Piu Piu, a travesti foi baleada na comunidade Beira-Rio, no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife no dia 05 de junho. A Polícia Civil instaurou inquérito policial para apurar o caso, identificar a autoria e motivação do crime. “Quando eu soube, eu fiquei muito abalada com a situação, porque eu nunca esperaria. Ela era uma pessoa ótima, uma pessoa maravilhosa, não merecia ter morrido do jeito que morreu”, afirmou a cabelereira Agatha Simões, que era amiga de Crismilly e é travesti assim como a amiga. “Ela já tinha sofrido alguns atentados por causa de preconceito, mas eu não pensava... Ela tinha passado por uma situação de violência há pouco tempo, aí quando ela estava ótima aconteceu isto. Eu fiquei passada com isso, mas também com a situação das outras que também se foram nessas fatalidades”, concluiu.
Também nesta semana, Fabiana da Silva Lucas, 30 anos, estava com um grupo de amigos em um bar nas margens da rodovia PE-160, no bairro de Cruz Alta, em Santa Cruz do Capibaribe no último dia (07); tendo sido esfaqueada após ter abordado um homem para perguntar onde era o banheiro. O suspeito, de 22 anos, foi linchado pela população e está ao Hospital da Restauração, no Recife, e está sob custódia. As investigações estão sob o comando da Delegada Erica Feitosa da 21ª DPH da cidade e continuarão até a completa elucidação.
Já Kalyndra Nogueira da Hora, 26 anos, foi encontrada morta no dia 18 de junho dentro da sua própria casa, no Ipsep, Zona Sul do Recife, e o principal suspeito é o companheiro da vítima. A Polícia Civil de Pernambuco informa que o autor foi preso em flagrante delito no último dia 19 e encaminhado para audiência de custódia. As investigações seguem em sigilo até a conclusão do inquérito policial. A Polícia Civil de Pernambuco informa que o autor foi preso em flagrante delito no dia 19.06, e encaminhado para audiência de custódia. As investigações seguem em sigilo até a conclusão do inquérito policial.
O relatório da Antra, aponta que 8 em cada 10 notícias com as palavras “travesti” ou “mulher trans” na aba notícia nos principais mecanismos de busca estão relacionadas a violência ou violações de direitos humanos. É por isso que as travestis e transexuais não analisam estes casos como um aumento no número de mortes contra a população, mas como fatos que aconteciam cotidianamente no estado, mas não ganhavam visibilidade para fora da comunidade LGBTQIA+ e dos entes queridos. “Essa violência não é de agora, é uma violência que já existia, há 12 anos o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. Então, a partir daí, a gente já pode dizer que essa violência não é de agora, porque o que acontece é que estas situações agora que estão tendo mais visibilidade, mais divulgação deste fato de estarmos em extrema vulnerabilidade”, afirmou a co-deputada.
Contudo, apesar dos casos de violência serem aqueles que tem ganhado maior repercussão, a luta dos movimentos é para garantir cidadania plena e respeito. “Como mostrou na televisão, o povo está vendo mais a vulnerabilidade da gente, que a gente está sendo agredida, que a gente está sofrendo, dos preconceitos, que o povo não nos aceita; mas eu queria que mostrasse um outro lado, um outro lado da gente feliz, guerreira, batalha, tem condição de cuidar das pessoas, de ser enfermeira, de ser advogada, de mostrar o lado bom da nossa história e não só o lado triste”, ressalta Robeyoncé.
Com o objetivo de pensar na vida e na segurança de pessoas trans, parlamentares da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e de Câmaras municipais da Região Metropolitana criaram uma frente popular em defesa dos direitos da população transgênero. Até o momento, a frente é composta pelas co-deputadas estaduais do mandato coletivo das Juntas (Psol), pelos vereadores Ivan Moraes (Psol), Dani Portela (Psol) e Cida Pedrosa (PCdoB), do Recife; Vini Castelo (PT), de Olinda; e Flávia Hélen (PT), de Paulista.
Mesmo sem a oficialidade de uma frente parlamentar por casa do recesso das casas parlamentares, a frente já pretende começar seus trabalhos em uma frente ampla com organizações da sociedade civil. “A frente popular surge justamente dessa necessidade de estreitar o diálogo do movimento social com o poder legislativo, porque a gente enquanto poder legislativo tem a função de legislar, mas também de fiscalizar as ações ou omissões do poder executivo”, afirmou Robeyoncé. “A gente se junta para poder cobrar do estado para cobrar do Governo do Estado e das Prefeituras uma ação específica para que possa haver uma prevenção ou uma segurança maior para garantir os direitos dessa população tão vulnerável”, completa.
Iniciativas do Estado
Em nota, a Prefeitura do Recife informou que está atenta às necessidades da população LGBTI+ e possui uma série de serviços para este segmento da população, com destaque para o ambulatório LBT, uma plataforma online de denúncias contra LGBTfobia e o Centro LGBT, que foi o primeiro Centro de Referência Municipal do Estado de Pernambuco. Ainda esta semana, a prefeitura anunciou duas iniciativas de fortalecimento das políticas públicas para a população LGBTI+ para prevenir violências: a Estação da Diversidade e a autorização de um edital para a implantação da Casa de Acolhida LGBTI+. As medidas ampliam a rede de acolhimento e reforçam ações de garantia aos direitos da população LGBTI+
Nesta sexta, o prefeito João Campos se manifestou novamente sobre Roberta Silva: “Lamento profundamente a morte da mulher trans Roberta da Silva. É intolerável qualquer vida perdida para o ódio e para o preconceito. Vamos avançar com novas ações para ampliar o atendimento a esta população, como a Casa de Acolhida LGBTI+, que irá receber o nome de Roberta”, declarou João Campos. O novo espaço de acolhida para a população será destinado à população LGBTI+, em especial para pessoas trans e travestis e o local vai ofertar leitos para amparar pessoas do segmento em maior situação de vulnerabilidade social.
Já o Governo de Pernambuco, através da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ), informou que está monitorando a assistência e o apoio às famílias das vítimas Roberta, Fabiana e Crismilly Pérola. Por meio do Centro Estadual de Combate à Homofobia, do Centro de Referência da Mulher de Santa Cruz e do Centro de Referência de Assistência Social de Santa Cruz do Capibaribe, além do Centro de Referência em Cidadania LGBT, da Prefeitura do Recife, as famílias estão sendo acolhidas por equipes multidisciplinar com advogado, assistente social e psicóloga, que acompanha diretamente o caso.
“Para avaliar e acompanhar os casos de violência de gênero no Estado, foi criado o Comitê de Prevenção e Enfrentamento às Violências LGBTfóbica, onde participam as secretarias estaduais da Mulher, de Desenvolvimento Social Criança e Juventude, de Defesa Social, de Justiça e Direitos Humanos, de Saúde e de Educação”, informou.
Edição: Vanessa Gonzaga