Em maio, apenas dois meses depois de ser diagnosticada covid-19, Cláudia Lucena, de 52 anos, contraiu chikungunya enquanto morava na Cidade Alta de Olinda, Região Metropolitana do Recife (RMR). O tratamento, que a princípio era a base de analgésico e antialérgico, passou a incluir corticóide por conta dos sintomas que aumentaram. “A medida que se passou o tempo, a chikungunya foi se complicando mais ainda, fiquei com muitas dores nas articulações, sem condições de me movimentar, e, nesse processo todo, minha imunidade baixou mais ainda. Hoje mesmo eu amanheci com as articulações doendo, um pouquinho inchada”, contou Cláudia.
Essa é uma das muitas histórias de pernambucanos que contraíram uma arbovirose transmitida pelo mosquito Aedes aegypti neste ano, em meio à pandemia da covid-19. Vários municípios do Estado vivem um surto de dengue, zika e chikungunya - sobretudo na RMR, Zona da Mata e parte do Agreste. Uma “situação bem preocupante”, segundo definiu a gerente de Vigilância das Arboviroses da Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco, Claudenice Pontes
As três doenças tiveram aumento de ocorrências em Pernambuco, conforme mostra o boletim mais recente da SES. Chama atenção o salto nas notificações de chikungunya: foram 12.221 registros em 111 municípios entre 3 de janeiro e 26 de junho de 2021, 352,6% a mais que no mesmo período no ano passado. Os casos de zika cresceram 126% em relação a 2020, com 2.609 registros em 79 municípios. Já os casos de dengue subiram 9,3%, tendo 21.941 notificações em 173 municípios.
Apesar de os números serem altos, Pontes calcula que eles ainda estejam subnotificados. “Quando a gente teve o período de lockdown, muitas pessoas não notificaram, então a gente tem poucos casos em 2020, assim como a gente acredita também numa provável subnotificação em 2021”, falou.
“Esses casos que a gente tem são os que conseguiram chegar numa unidade de saúde e que foram registradas e que o município conseguiu lançar no sistema de informação. Provavelmente a gente vai ter muitos mais casos do que está expressado”, disse
Mas por que a zika e a chikungunya tiveram um salto tão maior que a dengue neste ano? O motivo, explica a gerente, é que essa última é uma infecção mais antiga em Pernambuco. “A gente teve várias epidemias de dengue, então provavelmente muitas pessoas estão com resistência a esse arbovírus. Mas ainda tem a faixa etária que não teve contato com o vírus, e é isso que a gente está observando: um aumento de casos registrados nas faixas menores de 12 anos”, contextualizou.
A ação de combate, especificou, é conjunta entre prefeituras e Governo Estadual. “Cabe ao município, através dos agentes de controle de endemias, fazer as visitas aos domicílios e tentar identificar aqueles criadouros potenciais. Se tiver algum criadouro potencial que possa ter risco de proliferação do mosquito, é recomendado que o elimine. O que o Estado faz é o apoio técnico ao município. A gente tem equipes em vários municípios hoje para fazer o bloqueio de transmissão nessas localidades”, detalhou.
Assim, outras pastas são envolvidas “Setor de obra para remoção do lixo que pode ser criadouro, a gente tem a parte educativa da população que é imprescindível, e fazer o tratamento nessas localidades que está tendo transmissão”, exemplificou.
Incidência de casos é maior em população mais pobre, diz pesquisadora
Apesar desses esforços, Lorena Almeida, enfermeira mestre em Sociedade, Tecnologia e Políticas Públicas, aponta que a incidência das arboviroses não se reduz ao mosquito e à água parada, mas que é, sim, um problema estrutural.
“As cidades, e aí a gente pode falar do Brasil como todo, se formaram sem organização. Com exceção do Distrito Federal, as demais capitais foram formadas pelo êxodo rural e as pessoas se alojaram mais nas regiões periféricas. Esses locais não tinham infraestrutura nenhuma, então o que a gente tem hoje são cidades, infelizmente, sem um bom esgotamento sanitário, com uma coleta de lixo ineficiente, e acaba que a própria estrutura dá o lugar e proporciona os focos para a reprodução do vetor”, comentou.
Três principais flagelos na urbanização provocam a proliferação das arboviroses. Um deles é a falta de acesso à água, que faz com que as famílias tenham que estocá-la, formando focos para o aedes aegypti. Os Indicadores Sociais de Moradia no Contexto da Pré-Pandemia de Covid-19 do IBGE mostram que essa é uma questão que atinge quase metade dos pernambucanos: 47,9% da população do Estado vivia em domicílios ligados à rede geral de distribuição onde faltou água pelo menos uma vez por semana em 2019, representando o maior percentual em todo o Brasil.
O levantamento aponta que a proporção é praticamente a mesma na Região Metropolitana do Recife, onde 46,6% sofrem com essa realidade. Trata-se da maior proporção entre as RMs de todo o País.
Outro problema é o saneamento básico. Em Pernambuco, por exemplo, 19% das cidades não têm rede coletora de esgotamento sanitário funcionando, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2017 do IBGE, última edição publicada. Além disso, tem o agravante da coleta de lixo. “A população não sabe que a coleta acontece em determinados dias, ou às vezes ela nem se importa ou entende essa necessidade e deixa na porta de casa”, comentou a pesquisadora
Esses três fatores são indissociáveis com a pobreza e a concentração de renda. No desenvolvimento de sua tese de mestrado - na qual investigou a ocorrência das arboviroses em Maceió, Alagoas - Almeida constatou que as doenças estavam mais presentes entre as camadas mais baixas da população. Os três bairros com maior incidência das doenças eram os mais populosos e de menor renda.
“Existem vários autores que defendem que essas situações de saúde estão relacionadas também à distribuição de renda”, pontuou. “Se for olhar em um bairro de classe alta, dificilmente vai ter um esgoto a céu aberto na frente de um prédio chique, e muito dificilmente vão ter que estocar água. As pessoas mais pobres acabam tendo mais infecções por conta da falta de acesso a esses serviços”, concluiu.
Edição: Vanessa Gonzaga