A impunidade sistemática cria um ambiente favorável à continuidade e ao aumento dos crimes de ódio
Quatro mulheres transexuais foram assassinadas de forma cruel em Pernambuco nos últimos 30 dias: Kalyndra, de 26 anos, foi asfixiada; Pérola, de 37, foi baleada; Fabiana, de 30, morta a facadas, e Roberta, de 33 anos, teve 40% do corpo queimado.
Roberta morreu no último dia 9 de julho. Ela chegou a ter os dois braços amputados em razão do ataque transfóbico, mas não resistiu.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) ainda mapeou em Pernambuco a execução a tiros de Eva Carvalho, de idade desconhecida, no mês de fevereiro deste ano, e uma tentativa de assassinato contra Sthefany França, no último dia 6 de julho, além de ameaças de morte contra duas travestis.
Em janeiro, a adolescente Keron Ravach, de apenas 13 anos, foi assassinada a pauladas no Ceará. Keron é a vítima mais jovem do monitoramento realizado pela organização há 4 anos.
Segundo a ANTRA, já são 80 pessoas transexuais assassinadas neste primeiro semestre de 2021 no Brasil. O número deve ser ainda maior, uma vez que não existe no país estatística oficial desses casos. Segundo boletim divulgado no último dia 5 de julho pela organização, foram 89 mortes, sendo 80 assassinatos e nove suicídios. Houve ainda 33 tentativas de assassinato e 27 violações de direitos humanos.
A expectativa de vida do brasileiro é de 76 anos, mas para mulheres trans esse dado se reduz a menos da metade: a expectativa é de apenas 35 anos.
Segundo o “Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras” da ANTRA, em 2020 ocorreram 175 assassinatos de pessoas trans, fazendo com que o Brasil ocupe o 1° lugar no ranking dos assassinatos dessas pessoas no mundo. O número representa um aumento de 41% em relação a 2019, quando 124 homicídios foram registrados.
Em 2020, Pernambuco ocupou o 8º lugar no quadro brasileiro de mortes de pessoas transexuais e São Paulo ocupou o primeiro lugar, com 29 mortes. A região que concentrou a maioria dos assassinatos foi o Nordeste, com 75 assassinatos (43% dos casos).
Ainda segundo o Dossiê, em 2020, 71% dos assassinatos aconteceram em espaços públicos, e pelo menos oito vítimas se encontravam em situação de rua. Também foi identificado que 72% dos assassinatos foram contra travestis e mulheres transexuais profissionais do sexo. Entre os casos analisados, verificou-se que 78% das vítimas eram travestis e mulheres transexuais negras.
Em audiência pública realizada recentemente na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, representantes de diversas organizações da sociedade civil destacaram que os poucos direitos conquistados pela população LGBTQIA+ foram resultado de ações do Judiciário, como o reconhecimento da União Estável, do nome social e a criminalização da LGBTfobia, e que até hoje o Legislativo não avançou nesse sentido.
Para enfrentar a gravidade do cenário, reforçaram que é preciso formar e sensibilizar os agentes do Estado, especialmente os da segurança pública, combater a impunidade e a subnotificação de abusos, levantar dados confiáveis para formular políticas públicas efetivas e promover uma educação de respeito à diversidade, para contribuir com a formação de cidadãos mais conscientes.
Victor Madrigal-Borloz, especialista da ONU em orientação sexual e identidade de gênero, apontou que concepções errôneas e preconceituosas disseminadas por autoridades públicas alimentam um ciclo vicioso de ódio contra as pessoas LGBTs. Além disso, reforçou que a impunidade sistemática cria um ambiente favorável à continuidade e ao aumento dos crimes de ódio.
O Governo do Estado de Pernambuco anunciou recentemente a criação do Comitê de Prevenção e Enfrentamento às Violências LGBTfóbicas, mas as ações e políticas precisam ser efetivas e acontecer de forma célere. Além disso, é preciso fazer justiça a essas vítimas: o Estado precisa identificar e punir seus agressores.
A omissão do poder público diante desse quadro exige atenção urgente. Os números falam por si sós: essas pessoas estão morrendo simplesmente por serem quem são. Viabilizar políticas que coíbam a violência sistemática à qual são submetidas as pessoas trans é um dever humano e moral. Mais do que isso, encontrar maneiras para que possam viver uma existência com dignidade, aceitação e respeito, deve ser uma busca incansável de toda a sociedade.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga