Uma decisão da juíza Joana Carolina Lins Pereira, da 12º Vara Federal de Pernambuco, suspendeu, em todo território nacional, a internação de crianças e adolescentes com problemas com álcool e drogas em comunidades terapêuticas, bem como o investimento previsto para os espaços.
As medidas, prevista pela Resolução nº 3, de 24 de julho de 2020, aprovada pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), descontentou profissionais da psicologia, da assistência social, do direito e de diversas outras áreas que debatem a saúde mental. Por causa disso, uma ação civil pública foi ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) e as defensorias públicas dos estados do Mato Grosso, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.
A ação foi necessária, uma vez que diversos Conselhos e Associações ligados aos direitos da criança e do adolescente, e que tratam da saúde mental não foram consultados, como por exemplo, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Conselho Nacional de Assistência Social (Conas). “Esta ação foi desenvolvida sem os componentes dos Conselhos, das pessoas que estariam aptas a definir qual o melhor tratamento para crianças e adolescentes. Então, vários dos direitos já foram violados a partir do momento em que a instituição do Conad decide por si sem dialogar com os demais Conselhos”, ressaltou Rebecca Brayner, psicóloga, militante da luta antimanicomial e coordenadora de saúde mental de Caruaru, município no Agreste de Pernambuco.
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantem a prioridade das crianças e dos adolescentes também no cuidado, segundo Ana Carolina Khouri, defensora pública do estado de Pernambuco e coordenadora do Núcleo de Defesa da Saúde Coletiva (Nudesc). “Se isso tudo já é grave, já existe um dever de cuidado quando se trata de pessoas adultas que estão em situação de vulnerabilidade, seja pelo transtorno, seja pelo uso abusivo de álcool e outras drogas, mais ainda a gente tem que ter em relação a crianças e adolescentes. E aí não é só um afastamento da sociedade, mas é um afastamento da escola, da família e existe uma dificuldade de fiscalização do estado com relação a essas entidades, a essas comunidades terapêuticas”, afirmou.
Nesses espaços, graves violações de direitos humanos são registradas. É o que aponta o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas do Ministério Público Federal, junto ao Conselho Federal de Psicologia, que realizou vistorias nas unidades em todo o país. “Em visita a uma comunidade terapêutica aqui em Caruaru, a gente percebe violações muito sutis. O desrespeito em relação às questões de gênero - era uma comunidade voltada para as mulheres e lá tinha um menino trans. Até violações como o direito de cultuar a sua religião, uma vez que muitas dessas comunidades seguem uma vertente religiosa cristã”, afirmou a coordenadora de saúde mental de Caruaru.
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamentos para problemas com álcool e drogas através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e outros instrumentos que fazem parte da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Contudo, as políticas enfrentam retrocessos nas últimas gestões federais. “A gente tinha um crescente investimento em Caps AD, em Caps infantil, em consultórios da rua, -que são dois instrumentos diferentes- que faziam a busca ativa dessas pessoas, que trabalhavam a redução de danos ainda iniciando, não é algo que tinha uma década, duas décadas de trabalho. E a partir do governo Temer e pelo atual governo Bolsonaro, essas políticas começam a andar para trás”, analisa a defensora pública.
Para além da suspensão da internação, a ação produziu mais uma conquista, a desinternação de crianças e adolescentes que sequer deveriam ter sido internados. “Para a nossa surpresa, quando a própria União foi tentar se manifestar sobre o nosso pedido, informaram que hoje há cerca de 500 adolescentes internados em comunidades terapêuticas, sendo que a própria resolução do Conad ainda não estava vigorando e no país já existe esse está controlado pelo Governo Federal, que foi um número que eles mesmos trouxeram na manifestação da Advocacia Geral da União. Então, além da suspensão dessa resolução, foi determinada também a desinternação num prazo de até 90 dias de todos esses adolescentes”, afirmou a defensora pública.
Edição: Monyse Ravena