Pernambuco

LGBTfobia

Pernambuco tem maior número de crimes violentos contra população LGBTQIA+ do Brasil

Estado segue a tendência do país, que registrou crescimento de 20,9% em lesão corporal dolosa e 24,7% em homicídios

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Em 2020, o Estado foi recordista em registros de crimes contra esse público, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública - Agência Brasil

A brutalidade do caso de Roberta Nascimento Silva, travesti de 33 anos morta após ter o corpo queimado por um adolescente de 16 anos no Recife, ilustra uma realidade que se agrava em Pernambuco: o da violência contra a população LGBTQIA+. Em 2020, o Estado foi recordista em registros de crimes contra esse público, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e publicado no último dia 15. 

O levantamento mostra que houve 604 ocorrências de lesão corporal dolosa, 78,7% a mais que em 2019; 39 de homicídios dolosos, com crescimento de 30%; e 47 de estupro, taxa 104,3% superior. São os maiores números absolutos entre todas as unidades federativas. Apesar disso, Pernambuco segue a tendência do país: o Brasil registrou crescimento de 20,9% em lesão corporal dolosa, 24,7% em homicídios dolosos e 20,5% em estupros de pessoas LGBTIA+.

No documento, o Fórum aponta para uma relação entre a expansão desses tipos de crimes com o discurso e o governo do presidente Jair Bolsonaro, que mobilizaria pautas anti-LGBT e anti-feministas como plataforma política.

“Um exemplo emblemático da convergência entre bolsonarismo e LGBTfobia é revelado pela pesquisa intitulada “Política e fé entre os policiais militares, civis e federais do Brasil”, produzida pelo FBSP em parceria com a empresa Decode, que indicou alta incidência de comportamento LGBTfóbico entre policiais militares nas redes sociais, mesmo grupo em que foi detectado maior apoio ao presidente e à ruptura institucional, por vezes tendo como proxy, ou símbolo, o antagonismo em relação ao STF”, diz trecho do relatório. 

Coordenadora nacional da Rede Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais Negras Feministas (Candaces), Rivânia Rodrigues concorda: “Esse aumento [da violência] é grande, e é resultado de um desgoverno nacional que impulsiona as pessoas a serem LGBTQIfóbicas. É um governo misógino e isso encanta muito quem hoje está dentro da farda, nas forças armadas, que vê o presidente da república como mito e instiga esse lado maior do preconceito”, defende.

Pernambuco é pioneiro no registro de crimes contra a população LGBTQIA+

A articuladora política da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), Jana Castro pondera que os números elevados em Pernambuco refletem, na verdade, o aumento na notificação de casos de LGBTfobia. “A violência sempre existiu, ela só está sendo relatada e denunciada. O Brasil, infelizmente, é o país que mais mata pessoas LGBT do mundo”, comenta.

Sobre os índices, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) responde que o Estado foi um dos únicos cinco que forneceram dados completos de lesão corporal dolosa, homicídio doloso e estupro contra pessoas LGBTQIA+ ao Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021.

“Além de compromisso com a transparência e a qualidade das estatísticas, características destacadas pelo próprio Anuário, Pernambuco foi um dos estados pioneiros no registro de crimes contra a população LGBTQIA+. Em 2013, foi editada uma portaria estadual determinando a inclusão de vítimas de CVLI por identidade ou orientação afetivo sexual nas estatísticas criminais. A subnotificação, o que pode estar ocorrendo em outros estados, é uma forte aliada da violência”, diz, em nota.

Pernambuco é o terceiro lugar no ranking do Anuário que analisa se as unidades federativas têm um sistema de  sistema de registro e divulgação fidedigno e de boa qualidade, levando em consideração as informações registradas, informações perdidas, convergência e transparência. 

A SDS acrescenta que as forças de segurança “estão dando resposta em todos os casos de homicídios contra pessoas LGBTQIA+, identificando e prendendo autores”. Ainda segundo nota da Secretaria, “Essas ações, aliadas ao trabalho de prevenção desenvolvido pelo Comitê de Prevenção e Enfrentamento da Violência LGBTFóbica, instalado este ano pelo governador Paulo Câmara, colaboram para uma retração de crimes dessa natureza”.

Apesar disso, Rivânia Rodrigues, do Candace, critica o funcionamento do sistema de políticas estaduais voltadas para este público. “Pernambuco é o estado que mais tem mecanismo LGBTQIA+ mas não tem orçamento para fazer essa política fluir. Tem outro agravante, que nenhuma é política de estado, é política de governo”, pontua. “A gente percebe que se a política não for transversal nas várias camadas que o Executivo trabalha, desde saúde à educação, nós não poderemos atingir essa população do ponto de vista de formação. Não adianta ser um estado com muitos mecanismos, e não funcionarem”, conclui.

Edição: Vanessa Gonzaga