Não podemos mais culpabilizar a natureza
Durante todo ano é a mesma situação: moradores com medo de deslizamento, rios transbordando, imóveis sendo devastados, falta de suporte nas limpezas dos canais e até mesmo várias vidas perdidas. Poderia ser um caso isolado, um evento de força maior, mas na verdade é o que uma boa parte da população brasileira enfrenta anualmente nos períodos de chuvas. Aqui, em Olinda, a tragédia é anualmente anunciada.
Costumeiramente afirma-se que são as chuvas as responsáveis por diversos problemas, vão de deslizamentos a inundações e o questionamento que fica é sobre até quando a população terá de lidar com esse pesadelo. É preciso que se afirme, antes de desenvolver tais críticas, que nitidamente não são as chuvas as responsáveis diretas. O que podemos afirmar, na verdade, é que a mesma deflagra a incompetência e falta de interesse do poder público em lidar com um problema constante, contínuo e já esperado.
Dialogando com diversos moradores do município de Olinda, passando por Caixa D’água até a comunidade do Fragoso, o que se questiona reiteradamente é porque tais eventos já são conhecidos e previsíveis para toda a população, mas ainda assim os moradores não se sentem amparados, uma vez que tais problemas poderiam ser minimizados.
São nas periferias de Olinda onde as maiores desigualdades e problemas da cidade podem ser encontrados. É através da escuta que qualquer gestor poderá, efetivamente, trabalhar para o povo. O racismo ambiental já é um dos maiores problemas existentes na cidade histórica e é importante que saibamos que quando um problema é recorrente e não nos é trazido alternativas é porque, na verdade, não há o interesse real na mudança.
Não se pode mais maquiar os bairros diante de um problema estrutural, é preciso muito mais, pois se faz necessário aplicar, por exemplo, os conhecimentos da engenharia civil geotécnica, para que possamos mitigar a realidade já costumeira.
O rio do Fragoso ficou completamente poluído no início do ano de 2021 causando um dano ambiental irreparável. Esse mesmo rio transborda em tempos de chuva e por este motivo foi aprovada uma audiência pública através da articulação do meu mandato juntamente com a deputada estadual de Pernambuco Teresa Leitão para traçarmos alternativas efetivas.
Em diálogo com a população, pude ouvir uma moradora que se identifica como Ceça e a falou como se sente morando tão próximo de um rio poluído sabendo que sua casa pode ser inundada a qualquer tempo:
“A sensação é terrível. Eu mesma já perdi vários imóveis, tem período que eu preciso me mudar e só voltar quando acalmar. Todo ano é a mesma coisa, só basta chover forte umas horinhas que ninguém entra e ninguém sai, a gente reclama, convoca a TV, faz protesto, mas parece que ninguém quer realmente resolver essa situação e ano que vem iremos enfrentar a mesma coisa”
Assim como Ceça, diversos moradores relataram que já perderam imóveis e até mesmo a paz. A água como um todo é uma problemática, pois com as chuvas intensas muitos moradores não dormem pois suas casas estão inundadas e durante o dia a dia da população não há água potável, é o que nos conta Dona Maria, moradora de Salgadinho:
“Eu queria entender como é que no carnaval a gente tem água todos os dias e durante o ano todo a gente paga por um serviço que nem recebemos. É muito desrespeito com o povo”.
Tais relatos só reforçam que os maiores problemas enfrentados de Olinda não é um caso isolado ou um problema exclusivo da cidade, mas sim o retrato de como o povo periférico, em sua maioria, está à margem das políticas públicas de mudanças efetivas que passem a dar dignidade ao povo trabalhador.
Não podemos mais culpabilizar a natureza por um problema que por muitas das vezes tem interferência humana. É preciso mais, pois tenho a certeza de que é com humanidade, competência e práticas efetivas que mudamos a realidade dos que propositalmente sobrevivem no submundo da desigualdade de um país que é rico mas faz questão de ser desigual.
Por fim, vivendo no Brasil, a via da ignorância parece ser muito mais atrativa para quem procura responsabilizar ao invés de trazer para si a responsabilidade de servir a sociedade com humanidade e transparência.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga