A mudança real deve ser sincera e vir de dentro da própria OAB, através de uma inclusão efetiva
A psicóloga e pesquisadora Maria Aparecida da Silva Bento, conhecida como Cida Bento, cunhou em sua tese de Doutorado intitulada “Pactos Narcísicos no Racismo: Branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público”, a expressão “pacto narcísico da branquitude”, por meio da qual Dra.ª Cida pontuou a convergência de pessoas brancas na defesa de seus privilégios. A psicóloga também afirma que quando pessoas negras se encontram na mesma posição de igualdade com os brancos, aquelas são vistas como pessoas agressivas, pois o que se espera de pessoas negras é sempre uma posição passiva, de subserviência. A branquitude é, portanto, na visão de Dra.ª Cida, um lugar de privilégio e de poder não compartilhável.
Tomando como exemplo os ensinamentos de Draª Cida, entendemos que os mesmos se aplicam perfeitamente à instituições que historicamente não foram criadas para serem ocupadas por nós, pessoas negras. Exemplo disso são as instituições jurídicas. Falaremos, em específico, da Ordem dos Advogados do Brasil. Dados recentes mostram que negros representam apenas 1% de Advogados dos grandes escritórios. Na sociedade, ocupamos o percentual de 55% (cinquenta e cinco por cento) da população brasileira. Nos grandes centros universitários brasileiros, poucos são os professores negros nos cursos jurídicos. Na Ordem dos Advogados do Brasil houve apenas um homem negro que assumiu a presidência interinamente de uma seccional: Benedicto Galvão, entre 1940 e 1941, em São Paulo. No estado de Pernambuco, nunca houve. No âmbito federal, muito menos. Não existe sequer nenhum dado que comprove quantos advogados negros existem no nosso estado.
O “mito da democracia racial” expande o falso conceito de meritocracia, onde muitos acham que o esforço e a vontade de ocupar os espaços são suficientes para acontecê-lo. Ocorre que quando estamos diante de um racismo institucionalizado e estrutural, que também é “maquiado”, apenas o esforço não basta. As portas não são abertas tão facilmente para os negros na área jurídica. A prova disso é que, em que pese o Conselho Federal da OAB ter aprovado o percentual de 30% (trinta por cento) de cotas raciais para pessoas negras nos cargos de Direção da OAB, muitas seccionais estão relutando para fazer valer a normativa federal na próxima eleição que ocorrerá no final deste ano.
Em dezembro do ano passado, após muita luta da advocacia negra brasileira, o Conselho Federal da OAB aprovou a aplicação imediata da cota racial de 30% nas eleições . A referida reserva mínima deverá valer pelas próximas dez eleições da diretorias das seccionais e subseccionais em todo o Brasil. De acordo com a proposta, as chapas só serão registradas se cumprirem o percentual mínimo de pessoas negras na Diretoria. O mesmo valerá para os cargos de gestão na OAB: Caixas de Assistências dos Advogados, Escolas Superiores de Advocacia, Conselhos Federais e Estaduais, etc.
Apesar desta conquista, nenhum pré-candidato à Presidência da OAB- Pernambuco se pronunciou a respeito. Nenhum deles se comprometeu ainda a cumprir a normativa do Conselho Federal. Nenhum se posicionou, de fato, como antirracista na prática. Muitos advogados e advogadas pernambucanas, inclusive, acreditam que não existem advogados/as negros/as no nosso estado! Nunca ouviram falar de Manoela Alves, de Chiara Ramos, de Juliane Lima, de Ana Paula Azevedo. Desconhecem os trabalhos e a militância de Diogo Ramos, de Anna Beatriz Silva, de Denyse Mendes, de Eduardo Santos, de Patrícia Oliveira, de Débora Gonçalves e de tantos outros. Acredito que muitos não saibam -ou não queiram saber, que a primeira advogada transexual de Pernambuco é negra, a Draª Robeyoncé Lima. Por má fé, ou por desonestidade intelectual, o racismo institucional e estrutural da Advocacia brasileira desconhece a história de Esperança Garcia e de Luiz Gama, por exemplo.
O fato é que nestas eleições de 2021 a advocacia negra não vai recuar. Não vai aceitar migalhas de cidadania. Não vai aceitar “antirracismo de Instagram”. Se a OAB entende-se como uma instituição democrática que preza pela cidadania, deve ser também um retrato da nossa sociedade. Se nós, população não branca, somos aproximadamente 55% (cinquenta e cinco) por cento da população brasileira, por que ainda somos minoria nos espaços de poder da advocacia? A mudança real deve ser sincera e vir de dentro da própria OAB, através de uma inclusão efetiva. Não aceitaremos menos do que o que é nosso por direito.
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Edição: Vanessa Gonzaga