No Brasil, são registrados em média 30 mil acidentes ofídicos por ano, segundo dados do corpo de bombeiros. O número equivale a 21% dos casos mundiais, 138 mil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera esse tipo de acidente, uma doença tropical negligenciada. Um estudo inédito, feito por um grupo de 5 pesquisadores autônomos, brasileiros, africanos e norte-americanos, foi publicado na conceituada revista The International Journal of Health Planning and Management.
A pesquisa, intitulada “Seca, Desertificação e Pobreza: Uma análise geoespacial do envenenamento por picada de cobra no bioma Caatinga no Brasil”, feita a partir do estado do Ceará aborda o tema sob o conceito de saúde única, que acredita que a saúde de todos os seres está interligada. “A pesquisa é um estudo pioneiro, porque além de ser sobre as picadas de cobra na região do Ceará, porque mapeou todos os municípios -184 municípios cearenses- durante um longo período de 2001 a 2017, também coloca o conceito do que a gente chama de ‘one health’ em foco. A gente não pode mais tratar da saúde humana como um assunto isolado. Quando se fala de saúde humana, tem que falar da saúde dos animais, dos outros seres vivos, onde ele se coloca e do meio ambiente também”, analisa Abdulrazak Ibrahim, pesquisador do Fórum para Pesquisa Agrícola na África da União Africana e coautor do estudo.
Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificações (SINAN), mais de 13 mil ocorrências com acidentes ofídicos foram registradas no estado do Ceará desde 2001. O processo de desertificação da caatinga é apontado como um dos fatores que levaria os animais a se aproximarem do ser humano, devido à falta de alimento no habitat natural impactado pelos fatores climáticos. É o que analisa o biólogo especialista em animais silvestres, André Maia. “A carência da alimentação, da presa de alguns animais faz com que eles se aproximem de algumas casas, de alguns locais urbanos em que existe também o bioma de caatinga, fazendo com que ele venha buscar alimentos. A gente sabe que onde tem ser humano, tem lixo, e onde tem lixo tem ratos, tem outros animais, tem fauna sinantrópica, que é aquela que se aproxima da região urbana para se alimentar dos nossos resíduos, que é onde tem maior incidência de alimentação, já que o bioma está sofrendo de impactos ambientais”, avalia.
Nesse contexto, o animal ataca pessoas para se defender do que entende ser uma ameaça, ou até mesmo por se confundir. “As serpentes elas são surdas, então elas não escutam; elas são míopes, elas enxergam não tão bacana; mas elas tem uma sensação térmica muito poderosa e a sua língua para sentir os odores e as partículas odoríferas. Então, significa dizer que tanto um homem passando tem uma temperatura, quanto um rato passando tem uma temperatura, e isto também pode acabar estimulando um ataque”, explica o biólogo.
O mapeamento revela que as picadas de cobra na Caatinga brasileira são predominantes em áreas de baixa renda, com acesso limitado a hospitais e a medicamentos, assim como também acontece em áreas rurais da África Subsaariana, que são consideradas regiões negligenciadas. Por isso a pesquisa visa incentivar a implementação de políticas públicas. “Então, o governo e as pessoas podem tomar medidas para conter, ou - no mínimo - controlar, minimizar, enquanto obviamente outras intervenções estão sendo feitas, o Bolsa Família, por exemplo, todas as intervenções que tentam ajudar o povo e melhorar a vida no campo”, conclui o pesquisador da União Africana.
Em caso de ataque, é necessário buscar um hospital, o mais rápido possível, ou uma unidade do CEATOX - Centro De Assistência Toxicológica do Estado, que atua especificamente nesses casos de envenenamento por animais peçonhentos.
Edição: Monyse Ravena