Desde o início de 2021 se aprofundaram, no Recife, os debates sobre a criação de um programa municipal de renda básica. Em março foi lançada uma campanha encabeçada por movimentos populares e ONGs. A Câmara de vereadores criou uma frente parlamentar para debater o tema. Semanas antes os dois vereadores do PSOL no Recife haviam provocado a prefeitura sobre um programa do tipo. Empossado em 2021, o prefeito João Campos (PSB) fez campanha como deputado federal (2019-20) pela criação de uma renda básica nacional. A disputa agora é para garantir verba para um programa deste porte em 2022.
Um programa de renda básica se diferencia do auxílio emergencial principalmente por sua durabilidade. Enquanto o auxílio emergencial é previsto para três meses, podendo se estender por mais dois ou três meses, a renda básica é permanente – ou até que a família beneficiária supere a condição de vulnerabilidade. O investimento é bem maior. A Prefeitura do Recife lançou, em março, um auxílio emergencial (“AME Recife”) para 29,6 mil famílias recifenses que integram o CadÚnico (cadastro para programas sociais do Governo Federal). O AME Recife pagou apenas duas parcelas de R$50 ou R$150 para cada família e o investimento total foi de R$6,4 milhões.
A vereadora Dani Portela (PSOL), integrante da Frente Parlamentar da Renda Básica, defende que a situação do país exige dos governantes políticas mais ousadas de transferência de renda. “É uma crise sanitária que traz consequências econômicas e sociais profundas e amplia as desigualdades que já existiam no Brasil. Hoje são 15 milhões de desempregados, 19 milhões de brasileiros vivendo em situação de fome e quase 40% da população em algum grau de insegurança alimentar”, destaca. “Esse cenário torna essas políticas públicas ainda mais urgentes”, avalia a parlamentar.
Portela considera que o auxílio emergencial foi importante como medida urgente, mas o quadro de vulnerabilidade não será superado em poucos meses. “Em Pernambuco, as mulheres representam 99,5% dos empregos formais perdidos em 2020. É um dado do Caged. Após um ano e meio de pandemia essas mulheres não readquiriram seus salários, não puderam voltar ao mercado de trabalho”, diz a vereadora, que lembra o valor do gás de cozinha a R$ 95 e da cesta básica a R$ 475 para reforçar a importância da renda básica.
Dani Portela classifica os valores pagos pelo AME Recife como “irrisórios” e defende que, mesmo nos limites orçamentários do Recife, é possível pagar R$350 para cada uma das 29,6 mil famílias recifenses no CadÚnico (cerca de 7% das famílias residentes na capital pernambucana). O investimento seria de R$ 125 milhões ao ano. Esse é o valor que deve estar garantido na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Secretaria de Finanças do Recife, questionando sobre possíveis estudos ou estimativas da secretaria para um programa como este, que valor o Executivo municipal avalia que pode pagar, para quantas famílias e custo total do programa. Até o fechamento desta matéria a Sefin não respondeu. A equipe também entrou em contato com o vereador Samuel Salazar (MDB), líder da bancada do governo na Câmara dos Vereadores, mas o parlamentar não respondeu até o fechamento desta reportagem.
A LOA 2022 é balizada por um projeto anterior, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ambas são de autoria do Poder Executivo municipal, a prefeitura, mas precisam ser aprovados pelo legislativo, os vereadores. Ainda em junho os parlamentares debateram a LDO (Projeto de Lei do Executivo 11/2021), apresentaram nada menos que 291 emendas, sendo três mulheres em primeiro mandato as que mais contribuíram: Liana Cirne (PT), Dani Portela (PSOL) e Cida Pedrosa (PCdoB). Houve uma audiência pública (obrigatória pela Lei de Responsabilidade Fiscal), que durou menos de 30 minutos, na qual o secretário municipal de Planejamento e Gestão, Felipe Matos, apresentou a LDO.
Numa sessão plenária que durou 5 horas, os vereadores debateram e votaram as emendas e subemendas, aprovando 75 delas. A LDO também foi aprovada nesta sessão do dia 8 de junho. Apenas uma subemenda (nº176), produzida conjuntamente pela Frente Parlamentar da Renda Básica, sinaliza para a criação de um programa de transferência de renda. No artigo 3º da LDO, que trata das prioridades para 2022, o item IX (assistência social), passa a incluir nas metas “promover ação de transferência de renda para a população mais vulnerável social e economicamente do município”.
A LDO é um “guia” para a LOA 2022, que deve ser enviada pela prefeitura à câmara no máximo até setembro, com maior detalhamento de recursos para cada programa a ser executado em 2022. Os vereadores também devem estudar o orçamento, propor emendas e debate-las ao longo de um mês. A LOA deve ser aprovada até o fim de novembro. Há a expectativa de que a LDO e a LOA acabem por apontar caminhos para o novo Plano Plurianual (PPA) a ser escrito ainda este ano.
O PPA define diretrizes, metas e prioridades para um prazo de quatro anos (no caso, 2022-25), sendo revisado a cada ano. Para o PPA a prefeitura abriu uma consulta à população via internet, no aplicativo de smartphone Conecta Recife e no site Todos Pelo Recife. A gestão chamou de “PPA Participativo”, onde disponibiliza 11 eixos de propostas. O plano também deve ser aprovado até o fim de novembro.
A vereadora Dani Portela (PSOL) se mostra otimista em relação a criação de uma renda básica municipal, destacando que a pauta também foi abraçada por vereadores da base governista. “Acho importante que tenhamos o entendimento que essa pauta não é do partido A ou B, nem só da esquerda. Tem que ser pauta da cidade do Recife, que é a capital mais desigual do Brasil”, avalia, mencionando ainda que a emenda construída com outros vereadores da frente parlamentar foi preparada em diálogo com a Secretaria de Finanças. “Conseguimos aprovar a emenda e temos previsibilidade de recurso para implementar a renda básica, porque sem orçamento não tem como fazer política pública”, diz ela.
A Câmara do Recife voltou de recesso nesta segunda-feira (2) e, apesar de Portela e seu colega de partido Ivan Moraes terem redigido um Projeto de Lei para criar a Renda Básica, ambos sabem que o programa só será possível se abraçado pela Prefeitura. “A lei do município impõe o limite de que um vereador não pode legislar de modo a aumentar as despesas do município. Tem que ser uma lei de iniciativa do Executivo”, explica a vereadora.
A dupla de parlamentares do PSOL deve apresentar o PL ainda em agosto, mas precisará sentar com a prefeitura. “Para que eles absorvam as escutas que fizemos, o estudo prévio, o texto construído coletivamente, para que se possa se criar em comum acordo com a Câmara um projeto de transferência de renda que seja permanente e num valor que traga alguma dignidade, não um valor tão pequeno como foi o AME Recife”, diz ela. “E que isso sirva de exemplo para municípios vizinhos na nossa Região Metropolitana, outros municípios do nosso estado, do Nordeste e do Brasil, entendendo que esse momento histórico exige esse compromisso”, conclui.
Edição: Vanessa Gonzaga