Pernambuco

LULA NO NORDESTE

“Temos uma obrigação: reconquistar o Brasil para o povo trabalhador”, convoca Lula

Em última agenda no Recife, petista participou de encontro com movimentos populares e sindicatos na noite desta segunda

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Em sua última agenda no Recife, Lula encontrou movimentos populares e foi presenteado com um cocar do povo indígena Fulni-ô, de Águas Belas - Ricardo Stuckert

Na noite desta segunda-feira (16) o ex-presidente Lula (PT) participou de seu último evento de sua passagem pelo Recife, um encontro com lideranças de movimentos populares, ONGs e petistas de todo o estado. O evento aconteceu no Mar Hotel, em Boa Viagem. A capital pernambucana foi a primeira cidade de seu giro pela região Nordeste. O petista deve passar por outros quatro estados nos próximos dias, para costuras políticas visando a eleição presidencial de 2022.

Por volta das 21h o auditório já reunia sindicalistas, lideranças de movimentos, ONGs, associações comunitárias, líderes religiosos, reitores e outros representantes de universidades, representantes da cena artística e musical e principalmente petistas – deputados, vereadores de todo o estado e militantes de base. 

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A passagem pelo Recife, assim como as demais agendas no Nordeste, tem como objetivo principal fazer costuras políticas visando a disputa presidencial de 2022. Aos pernambucanos Lula disse estar disposto a fazer um amplo leque de alianças. Ele teve encontros com o PCdoB, PSOL, PSB, Republicanos, MDB, PSD, PP, Avante, Solidariedade e PROS, além do PT. “Eu nunca tive tanta vontade de ser candidato a presidente como tenho agora, aos 75 anos. Estou com disposição de fazer alianças e acordos políticos com quem quer que seja, desde que tenham um compromisso: o povo pobre tem que comer de manhã, à tarde e à noite; o povo tem que trabalhar e ter trabalho digno, ter direito de estudar”, disse o petista.

“Não posso voltar para casa”

O ex-presidente disse ter acreditado, anos atrás, que sua missão na vida estava cumprida, após permitir à maior parte dos brasileiros três refeições ao dia, ter ganho diversos títulos honoris causa e ter sido respeitado internacionalmente. “Pensei que eu tinha feito tudo na vida, pensei que minha trajetória de luta tinha acabado. Mas aprendi uma coisa: o ser humano que tem uma causa, ele só para de lutar quando morre”, avaliou. “Por isso fico pensando que eu não tenho o direito de me aposentar, de ficar quieto, não posso voltar para casa”, completa.

Sobre as especulações sobre um “Lula vingativo” após a prisão, ele negou. “Não carrego ódio de ninguém. Vocês que me deram as chibatadas, que nos prenderam, podem até ter meu respeito, mas vocês não têm respeito com o povo brasileiro. Lula tem consciência política do que aconteceu com ele, mas essas crianças que levantam de manhã e não têm um copo de leite ou café e nem um pão com manteiga, essas crianças nem sabem se vão sobreviver”, afirmou, lembrando que o Brasil tem hoje 19 milhões de pessoas (ou quase 10% da população) vivendo abaixo da linha da pobreza.

Lula também provocou os adversários. “Este país não pode ser de genocidas e milicianos, não pode ser de banqueiro e empresário, tem que ser do povo trabalhador, que levanta cedo, quer estudar, trabalhar, que quer comer, ter acesso à cultura, universidades, escolas técnicas. (...) Temos uma obrigação: reconquistar o Brasil para o povo trabalhador deste país”, convocou. “E não adianta dizer que o cara da Fiesp ou da Federação das Indústrias de Pernambuco (FIEPE) não vão votar em mim, porque nunca precisei deles e eles nunca votaram em mim”, conclui.


Na manhã da segunda (16) Lula visitou o Assentamento Che Guevara, do MST, na região metropolitana do Recife - e elogiou o alface sem agrotóxico / Ricardo Stuckert

Ainda sobre a relação entre as elites e o povo pobre, Lula afirmou que a população que mais precisa tem que estar no orçamento das prefeituras, governos estaduais e federal. “Tem que colocar o povo no orçamento. E os ricos a gente tem que colocar no importo de renda”, pontuou. Ele aponta a necessidade de uma reforma tributária que amplie os impostos sobre a renda das elites. “Temos que copiar modelos de desenvolvimento dos países mais ricos. Todos os que têm uma boa política de inclusão social, com estado de bem-estar, são países que com carga tributária justa. Mas no Brasil um trabalhador que ganha R$ 7 mil por mês ele paga imposto de renda igual a quem ganha R$ 70 mil”, reclama o petista.

Lula também criticou os sucessivos cortes nas políticas para a agricultura familiar, mencionando que a comida que vai para o prato é, majoritariamente, produzida por essas famílias. “Fui visitar os sem-terra para ver a capacidade do pequeno e médio produtor rural. Eles estavam com 15 toneladas de alimentos para doar”, disse o ex-presidente. “O governo tem que agradecer ao agronegócio, mas tem que olhar para quem produz os alimentos que vão para a mesa. Blairo Maggi pode ser o rei da soja, mas se ele quiser comer uma galinha caipira, vai ter que comprar do pequeno produtor. Rubens Ometto pode ser o rei do etanol, mas se ele quiser uma macaxeira, vai ter que comprar do pequeno produtor”, lembrou.

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O petista quase não usou o nome do presidente Jair Bolsonaro, optando por ser referir apenas pela alcunha de “genocida”. “A maioria do povo brasileiro está cansada. A gente não pode ver a situação do povo brasileiro piorar a cada dia, assistir nossos desejos minguarem, porque não temos um presidente disposto a governar para o povo brasileiro”, criticou, também provocando os adversários. “Quero provar mais uma vez que se a elite brasileira não foi capaz de consertar o país, que um capitão reformado do Exército não foi capaz de consertar, mas um metalúrgico e o povo brasileiro vão voltar e consertar este país”, garantiu. “Estou com muito tesão para tirar o genocida e fazer o povo brasileiro voltar a sorrir, voltar a sonhar, a acreditar e a ser feliz”.

Lula citou ainda a garantia de direitos para empregadas domésticas, inclusão da população negra nas universidades, construção de escolas técnicas e universidades, além de políticas afirmativas para mulheres, LGBTs, povo negro, quilombola e indígenas “Mas esse país foi jogado fora, não existe mais”, diz ele. “No Brasil hoje as pessoas não comem, não são respeitadas, não têm emprego, este país não tem credibilidade internacional – ninguém convida o Brasil para nada. E sabe de quem é a responsabilidade de reconstruir esse país? Não é dos militares, não é da elite brasileira, é do povo brasileiro”, convocou.

Golpe, Lava Jato, desemprego e fascismo

O impeachment que derrubou a presidenta Dilma Rousseff em 2016, a prisão de Lula às vésperas da eleição de 2018 e o atual cenário de desmonte do país, na avaliação de Lula, têm as mesmas raízes: a mentalidade excludente das elites nacionais e movimentações de atores externos visando o pré-sal brasileiro, interesses que se utilizaram – ambos – da Operação Lava Jato, força-tarefa do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR). “Foi a política de inclusão social que fizemos nesse país, ela não cabia na cabeça de uma certa elite econômica e uma certa elite política”, diz ele.

A atuação da Petrobras seria o ponto que uniu a burguesia brasileira e estrangeira. “Interesses como o dos Estados Unidos, que não aceitou a descoberta do pré-sal, ao mesmo tempo em que fizemos uma regulamentação em que demos ao povo brasileiro o direito de ser dono do seu petróleo”, diz ele, lembrando o veto a petroleiras internacionais e a garantia de royalties para saúde, educação, ciência e tecnologia. “Isso não foi admitido nem pela elite brasileira, que nunca aceitou sequer a criação da Petrobras, como também não aceitou a regulamentação para a Petrobras ser uma empresa brasileira, para brasileiros, que produziria petróleo para enriquecimento do povo brasileiro”, opina o ex-presidente.


Ao falar da volta da fome no país, Lula criticou os cortes nas políticas públicas que fortalecem a produção de alimentos / Ricardo Stuckert

A Lava Jato, reforçou Lula, destruiu empresas, setores inteiros, acabou com empregos. “Vocês não têm noção do prejuízo que essa gente, com essa estupidez, deu ao Brasil. Por conta das denúncias feitas pela Lava Jato contra as empresas, esse país jogou fora 4,4 milhões de empregos, deixou de investir R$ 172 bilhões que poderiam gerar mais milhões de empregos”, afirmou Lula citando estudo do DIEESE. “O país fechou empresas importantes de engenharia, que estavam competindo com empresas dos EUA e da Europa em toda parte do mundo”, lembra ele.

O petista destaca ainda que isso afetou duramente o setor industrial de Pernambuco. “Essa operação destruiu a nossa indústria naval – que já foi a 2ª mais forte do mundo na década de 1970, depois foi destruída, mas a partir de 2002 passamos a reconstruir e chegamos a 86 mil trabalhadores, mas agora ela foi destruída outra vez”, diz ele. No Porto de Suape a empresa Estaleiro Atlântico Sul (EAS) chegou a ter 6 mil trabalhadores, mas hoje funciona com cerca de 200, também em parte porque os governos Temer e Bolsonaro priorizam adquirir navios construídos em países asiáticos.

O ex-presidente destacou ainda os investimentos públicos realizados durante os governos do PT, como nas obras da Transposição do Rio São Francisco e a entrega de 1,4 milhão de cisternas, ampliando o acesso a água no semiárido nordestino. Ele também lembrou da ferrovia Transnordestina, ainda não concluída, mas que o governo Bolsonaro decidiu alterar a obra, cancelando o ramal com o Porto de Suape. “Começamos a construir para ligar os portos de Suape (PE) e Pecém (CE), passando pelo Piauí para pegar a produção de minério e soja. Vi na imprensa esses dias que não vem mais para Suape, vai ser só de Salgueiro (PE) a Pecém, esquecendo um dos portos mais importantes do Nordeste”, lamentou.

Outro elemento da Lava Jato é a rejeição à política, que na avaliação de Lula também levou o país para um ambiente perigoso. “Se negou a política. E quando se nega a política, o que vem depois é o fascismo, não é a democracia, não é a melhoria na vida das pessoas. Disseram que tinha que tirar a Dilma do governo para o Brasil melhorar. Era mentira. Deram um golpe e como é que está o Brasil hoje se comparado aos tempos em que Dilma governava?”, provoca, citando em seguida os 15 milhões de desempregados, mais de 30 milhões vivendo de “bico” e outras formas de trabalho sem qualquer garantia ou proteção. “Temos 16 milhões de pessoas passando fome, quando nós já tínhamos acabado com a fome neste país”, pontua.

Ao chegar no evento, Lula foi saudado com um toré do povo indígena Fulni-ô, do município de Águas Belas, agreste do estado. O petista agradeceu publicamente ao monge beneditino Marcelo Barros, que o visitou na prisão. “Tivemos uma extraordinária conversa de uma hora que me pareceu que foi um ano”. Também citou o professor Pedro Lima Vasconcelos, da universidade Federal de Alagoas (UFAL), cujos vídeos sobre histórias de luta popular na TV 247 Lula assistia durante os meses de prisão. “Você não sabe a alegria que senti, estando preso, de ver um companheiro falando coisas que muita gente comum não sabia. A verdadeira história do Brasil nunca foi contada para muita gente, ela foi contada do jeito que a elite quis contar, para quem ela quis contar”, disse Lula.


Na noite do domingo (15) o ex-presidente Lula jantou com o governador Paulo Câmara (PSB) e o prefeito do Recife, João Campos (PSB) / Ricardo Stuckert

Articulações

Lula chegou ao Recife no início da tarde do domingo (15), se reuniu com a cúpula do PT no estado, teve diversos encontros bilaterais com partidos aliados, jantou no Palácio do Campo das Princesas com o governador Paulo Câmara (PSB), o prefeito João Campos (PSB) e a cúpula do PSB. Na segunda começou o dia no Assentamento Che Guevara, do Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra (MST), teve novas reuniões com partidos – desta vez com antigos aliados do PSD, PP, Republicanos, Avante, PROS, MDB e Solidariedade, que hoje compõem a base bolsonarista ou o “centrão”.

O ex-presidente também prometeu rodar o Brasil até vencer o pleito de 2022, pedindo à militância que não tenha medo de fazer a disputa. “Daqui para frente não vamos parar mais. Do jeito que fizemos aqui, todo mundo de máscara, com cuidados, vamos continuar viajando esse país, sem medo de ninguém. Se a gente não tiver coragem e ir para a rua, não conseguiremos mudar o país”, afirma. Do Recife, Lula partiu na manhã desta terça (17) para o Piauí, depois segue para o Ceará, Rio Grande do Norte e por último a Bahia.

Edição: Vanessa Gonzaga