No programa "Conhecer para Transformar", do Movimento Sem Terra Pernambuco, a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) concedeu uma entrevista para falar sobre as ameaças à soberania nacional praticadas pelo governo Bolsonaro. Com a mediação de Rosa Amorim, do Levante Popular da Juventude, a ex-presidenta falou sobre as consequências do golpe de 2016 e avaliou o cenário econômico político-sanitário do Brasil atualmente.
Em sua fala, Dilma enfatizou pontos como o aumento da fome no país, o ataque à política de proteção ao meio ambiente, a precarização do trabalho e a imposição de uma agenda neoliberal. Ela finaliza estimulando a organização popular e a mobilização nas ruas como fundamentais para impedir os retrocessos do governo Bolsonaro.
Confira os principais trechos:
Desnacionalização de grandes empresas
A ex-presidenta faz menção à viagem de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos em março de 2019 quando este diz em sua fala na embaixada do Brasil: “o Brasil não é um terreno aberto onde iremos construir coisas para o nosso povo, nós temos que desconstruir muita coisa”. Nesse sentido, Dilma afirma que um processo iniciado desde o golpe de 2016 com Temer assumiu uma proporção maior. “E o Brasil vem sendo então desconstruído em várias frentes”. Ela fala do ataque à soberania do país através da desnacionalização das grandes empresas públicas estratégicas, como a EMBRAER, a Eletrobrás e a Petrobrás.
Ao falar do fatiamento da Petrobrás, Dilma cita o caso das transportadoras de gás e óleo: "Eles venderam essas transportadoras e agora pagam um aluguel que em dois anos eles vão perder tudo que obtiveram com a venda. E torna o Brasil um exportador de óleo bruto e um importador de produtos processados", defende.
Política de proteção ambiental brasileira sob ataque
O segundo ponto que a ex-presidenta enfatiza é o ataque à política de proteção do meio ambiente, através do desmonte da fiscalização e da permissão para destruição dos biomas brasileiros. “Em especial a Amazônia, por meio da autorização para empresas nacionais e internacionais explorarem recursos minerais e outros recursos, inclusive desmatando a floresta”, explica.
Ataque ao Estado: PEC do Teto dos Gastos
Dilma Rousseff critica fortemente a PEC do Teto dos Gastos por tirar o povo como prioridade do orçamento público e privá-lo da decisão política por 20 anos. “É incluir na Constituição os princípios neoliberais do ajuste fiscal, que liberam todos os pagamentos relativos à finanças, permitindo que a dívida seja manipulada pelos grandes conglomerados financeiros e limita todos os demais gastos”.
Segundo ela, a tomada do orçamento público pela agenda neoliberal traz como consequência o desmonte da cultura, da educação universitária federal, do sistema de pesquisa, da geração de ciência e tecnologia, ocasiona o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde e uma série de outros problemas.
Destruição da política industrial
Ela ainda aponta a descapitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo e o principal instrumento do Governo Federal para o financiamento de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira. “Nós tínhamos política industrial, eles destruíram essa política e fizeram o Brasil voltar aos tempos mais atrasados da República Velha, onde nós estamos virando pura e simplesmente a pátria do agronegócio”, critica.
Além disso, aponta para a falta de incentivos à agricultura familiar no país e o desmonte de programas de estímulo ao pequeno agricultor. “A ONU já reconheceu [a agricultura familiar] como elemento fundamental para o país sair do Mapa da Fome. Então essa degradação do BNDS também vai impedir que tenha projetos significativos de infraestrutura no Brasil”.
O abandono do povo brasileiro
Dilma ainda faz uma série de outras críticas, como a desvalorização do funcionalismo público, a militarização do aparelho do Estado, o alinhamento "cego" aos Estados Unidos e ao governo Trump, a questão previdenciária e a Reforma Trabalhista. Segundo ela, a reforma transformou a ausência de direitos trabalhistas em uma regra.
Por fim, a ex-presidenta toca na crise sanitária causada pela pandemia da covid-19 e na desproteção completa por parte do governo Bolsonaro para com a população diante de um cenário de desemprego, fome e crise social. “Parte expressiva dos quase 600 mil mortos no Brasil é devido a adoção da visão genocida e negacionista expressa naquela concepção da imunidade de rebanho”, reforça. “A segunda questão que eu acho gravíssima é tão genocida quanto a primeira, é a questão da insegurança alimentar. 19 milhões de brasileiros estão em fome”, e critica mais uma vez o Teto dos Gastos.
Ela finaliza apontando para o enfraquecimento das instituições nacionais e para a necessidade da mobilização popular. “Apesar de cumprirem o papel da democracia, não acho que tenham demonstrado uma força para conter estes desmandos que eu acabei de relatar do Bolsonaro”. Para ela, só há um caminho: “É o enfrentamento nas ruas. É a força do povo”.
Edição: Vanessa Gonzaga