Pernambuco

VISIBILIDADE LÉSBICA

Dupla maternidade: "sinto orgulho de fazer parte desse movimento a favor do amor"

As pernambucanas Gisele França e Daniella Santos falam dos desafios maternidade com os filhos Sofia, Laís e Joaquim

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Apesar da família feliz, o casal reconhece que não é fácil ser mãe lésbica no Brasil, especialmente numa conjuntura de crescimento do conservadorismo - Arquivo Pessoal

Em 2021,  o mês da Visibilidade Lésbica é celebrado no ano do aniversário de uma década da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a união estável homoafetiva. O entendimento da Corte legitimou o direito das pessoas do mesmo sexo de constituírem família, mais um passo na garantia da cidadania plena à população LGBTQIA+. Com isso, a legislação abriu espaço para que mães lésbicas pudessem registrar seus filhos com dupla maternidade, uma conquista a ser comemorada neste agosto.

Dez anos também é um período significativo para a professora Daniella Santos, de 45 anos, e a contadora Gisele França, 36. As duas pernambucanas se conheceram em 2004, mas só em 2014 se reencontraram preparadas para viverem inteiramente um relacionamento. Na época, a filha de Gisele, Sofia França, fruto da união anterior, já tinha 3 anos e 8 meses de idade. Foi em um processo natural e gradual que passou a também entender Daniella como mãe.

“Em nenhum momento Sofia questionava minha decisão de deixar o pai dela e namorar uma mulher. Na pureza de criança ela demonstrava felicidade e maturidade, mesmo quando estava sendo pressionada por terceiros”, relembra Gisele.

“Educo Sofia para sempre falar a verdade e acreditar no amor, tenho a postura de conversar sobre qualquer coisa antes de qualquer distorção e alienação parental, então apenas disse: Dani é a namorada da mamãe. Para minha felicidade, as duas se identificaram de imediato, pareciam que se conheciam há séculos. Algo espiritual que me deixou tranquila”, completa ela.

Daniella tampouco imaginava que “teria a honra” - como define - de ser chamada por Sofia de mãe. Ela chegou até a desestimulá-la, pensando assim protegê-la do preconceito. 

“Lembro uma vez que Sofia chegou em casa super contrariada dizendo que escutou uma piada: alguém havia dito que o pai dela naquele momento era uma mulher. Tentei explicar, mesmo sem ela ter solicitado, que não tinha a intenção de substituir nem a mãe e nem o pai, que Dani estava ali para ajudar a educá-la e o que realmente importava era o amor. De coração partido, a chamei e disse que não precisava me chamar de mãe”, rememora.

No entanto, a menina Sofia garante que ela não conseguiu convencê-la: “Ela não autorizou, mas comecei chamá-la de mãe Dani, mesmo as pessoas me dizendo que eu só podia ter uma mãe e que eu tinha um pai, que Dani havia separado minha mãe dele”, conta.

No fim das contas, Sofia chama Daniella de vários jeitos diferentes: de Dani, mãe Dani e mamãe Dani. “Tenho ciência que me respeita como mãe e a certeza de que o amor sempre vencerá”, declara a professora. 

A chegada dos gêmeos

 Anos depois, o casal resolveu fazer uma fertilização in vitro para ter mais filhos. O resultado foi a gestação dos gêmeos Joaquim e Laís, hoje com 2 anos e 8 meses. Gisele lembra a antecipação que cercou a família naquele período: as três subiram o morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, para fazer promessa à Nossa Senhora da Conceição, mãe de Jesus.

 “Fiz questão de deixar Sofia participar de todo processo, desde as consultas até a fase final. Quando ficamos grávidas (considero que Dani também ficou grávida, embora, não tenha gerado), Sofia também esteve presente na organização do enxoval, quarto dos bebês, ensaio fotográfico e opinou com relação aos nomes dos bebês”, diz Gisele.

Até hoje, o casal vive intensamente a maternidade. “Inclusive ainda não conseguimos dormir uma noite completa, estamos exaustas. No entanto, nossa cumplicidade, paciência e compreensão nos fazem aproveitar cada momento”, emenda.

“Tenho orgulho de ser filha de duas mães”

Hoje com 11 anos, Sofia tem duas mães, um pai e uma madrasta, além dos irmãozinhos. Interessada em leitura, a menina conduz um perfil no Instagram para falar sobre livros, onde conversa também, com naturalidade, sobre sua configuração familiar. Aliás, postura que adota onde quer que vá. 

“Me sinto bem e falo espontaneamente sobre minhas mães, as admiro e tenho orgulho delas, então não vou esconder. Não acho que elas estão fazendo nada de errado, estão sempre respeitando as pessoas e vivendo nossa família, cuidando de mim e de meus irmãos. Tenho orgulho de ser filha de duas mães! Dani costuma dizer que eu a ensinei a ser mãe, que hoje ela é uma boa mãe por causa de mim, e isso me deixa muito feliz”, afirma.

Ela garante que não se sente diferente por isso. “Pelo contrário, sinto orgulho de fazer parte desse movimento a favor do amor, pelos meus irmãos, pelas minhas mães, por mim e por todas as famílias iguais a minha.”

Esperança com o futuro

Apesar da família feliz, o casal reconhece que não é fácil ser mãe lésbica no Brasil. Daniella sente receio do que está por vir, e teme pelo que Joaquim e Laís poderão enfrentar. “As pessoas ainda têm muito preconceito, demonstram em atitudes e discurso. Dizem ser tolerantes, mas na primeira oportunidade manifestam a real opinião, não aceitam e não reconhecem nossa família com naturalidade”, lamenta.

Ainda assim, a confiança cresce quando pensa nos novos jovens. “Sofia é o exemplo dessa nova geração que vem sendo criada para respeitar as diferenças, respeitar as pessoas ou respeitar quem as pessoas são, acreditamos que muitas venham sendo educadas para respeitar o próximo, e isso nos enche de esperança”, 

Edição: Vanessa Gonzaga