É preciso termos coragem de testemunhar uma fé com capacidade social crítica
No mundo inteiro, esta semana é marcada pelo 21 de setembro que a ONU consagra como “Dia Internacional de Promoção da Cultura de Paz”. No hemisfério sul, o 22 de setembro marca o início da primavera e a ONU propõe que possamos todos/as colaborarmos para que desponte uma nova primavera de paz e justiça para o planeta e para todos os povos da terra.
Filmes e noticiários de televisão nos habituam de tal modo com notícias de violência e crueldade humana que nem nos espantamos mais. Além dos assaltos e crimes ocasionais que acontecem a cada dia, a violência mais estrutural e permanente é cometida por Estados e por governos, contra migrantes e estrangeiros e contra a população mais pobre do próprio país.
Muitas vezes, essa violência é cometida em nome da democracia e da salvaguarda da paz. Ainda por ocasião do sete de setembro, aqui no Brasil, aquele que ainda ocupa o posto de presidente da República incitou a população à violência e, inconformado por não ter visto o banho de sangue com o qual sonhara, recordou o velho princípio: Se queres a paz, prepara a guerra.
O mundo inteiro vê com sofrimento o modo como o Brasil trata os povos indígenas, sempre ameaçados em seus direitos fundamentais à terra e a viver a partir de suas culturas próprias. A sociedade civil internacional denuncia o que se passa no Afeganistão, destruído pelo império dos Estados Unidos e agora entregue a um grupo extremista de direita. Em meio a tudo isso, a ONU prepara dois encontros internacionais que ocorrerão nestes meses sobre mudanças climáticas e a crise ecológica.
Há poucos dias, o papa Francisco, Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla e Justin Welby, arcebispo primaz da Igreja Anglicana assinaram juntos um Apelo à Humanidade com o título “Respostas urgentes à catástrofes ambientais e à injustiça devastante”.
A ONU compreende que somente uma cultura de paz pode verdadeiramente vencer a violência. Neste ponto, todas as religiões e tradições espirituais têm uma função essencial. Com urgência precisam ajudar as pessoas, pertencentes às mais diversas tradições espirituais, ou mesmo sem nenhuma pertença religiosa, a desenvolver a consciência da responsabilidade por todos os seres vivos. Fazemos parte de uma única família que partilha a mesma terra e bebe do mesmo poço.
Crentes das mais diversas religiões devem rever a própria imagem de Deus, como autor e princípio da paz. Se cremos em um deus intransigente e severo que pede sacrifícios e divide os seres humanos em crentes e descrentes, fiéis e infiéis, o resultado disso será sempre uma cultura de intransigência e intolerância. Este tipo de deus supõe organizações religiosas baseadas no dogmatismo e no autoritarismo de suas hierarquias. Neste caso, esses grupos podem até falar de paz, mas, na prática, plantam sementes de divisão entre as pessoas.
No Brasil de hoje, alguns ministros e algumas comunidades eclesiais, tanto católicas, como evangélicas e também pentecostais têm apoiado uma política de violência e confronto social. Padres e pastores têm sido vistos fazendo apologia de armas e de intolerância. Essa violação criminosa ao evangelho da Paz e do Amor que Jesus propôs faz deles dentro do Cristianismo figuras semelhantes e correspondentes ao que são os talibãs no contexto do impropriamente chamado fundamentalismo islâmico.
É preciso termos coragem de testemunhar uma fé com capacidade social crítica na mesma sintonia de Jesus, profeta da libertação. É preciso nos inserirmos como cidadãos na luta pacífica para transformar a sociedade e escutar para nós e para a nossa realidade a palavra de Jesus à toda a humanidade: “Bem-aventuradas as pessoas que promovem a paz. São elas que podem ser chamadas de filhas e filhos de Deus” (Mt 5. 9).
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga