Além do trauma terrível da perda, essas crianças e jovens deparam com um futuro totalmente incerto
A pandemia de covid-19 (que ainda não foi totalmente controlada) está causando um impacto devastador sobre a humanidade. Não bastasse o número impressionante de mortes e sequelados, o vírus provocou uma crise social e econômica cujas dimensões ainda nem sequer podem ser avaliadas integralmente. Mas ainda há outras tragédias embutidas nessa tragédia maior. Uma delas são os inúmeros órfãos deixados pelo novo coronavírus.
Mais de 113 mil menores de idade no Brasil perderam o pai, a mãe ou ambos para a covid-19, entre março de 2020 e abril de 2021, segundo um estudo publicado pela prestigiada revista científica Lancet. Essa realidade é ainda mais dramática se forem incluídas as crianças e jovens cuidadas pelos avós. Nesse caso, o número salta para 130 mil. No mundo inteiro, já havia mais de 1,5 milhão de órfãos até abril deste ano, número que agora deve ser bem maior. De cada dois adultos que morrem de covid pelo mundo, uma criança órfã é deixada para trás, chorando a perda do pai, da mãe ou dos avós.
A orfandade lança essas crianças e jovens em situação de extrema vulnerabilidade. Como a maioria perdeu o pai (87,5 mil), historicamente o responsável pelo sustento financeiro da família, a renda do lar caiu drasticamente ou, simplesmente, desapareceu junto com o ente querido. Assim, além do trauma terrível da perda, essas crianças e jovens deparam com um futuro totalmente incerto. Se não encontrarem qualquer tipo de amparo, vão ficar mais expostos a diversas formas de violência e ainda podem ser levadas a interromper os estudos.
Diante dessa outra epidemia, que pode se constituir em novo estado de calamidade, é preciso que as três esferas de governo – União, Estados e municípios – se mobilizem para garantir proteção social e amparo aos órfãos da covid-19. Já existem projetos de lei tramitando no Senado e na Câmara dos Deputados que instituem pensões para os órfãos. É uma medida imprescindível e urgente, mas eles vão precisar de muito mais que dinheiro.
É preciso que haja uma mobilização na tentativa de reduzir os danos emocionais, seja buscando aproximar parentes que possam assumir os cuidados com os órfãos ou verificando a possibilidade de adoção.
No início da pandemia, era comum dizer que as crianças e jovens seriam os menos afetados pelo vírus em decorrência do seu sistema imunológico mais resistente. O fato é que, se não foram atingidas no corpo, foram duramente feridas na alma o que, por consequência, acaba comprometendo o bom funcionamento dos órgãos físicos – principalmente se a insegurança alimentar bate à porta.
Portanto, não podemos deixar essas crianças e jovens entregues à própria sorte, transformando-se em alvos fáceis para o crime, tanto na condição de vítimas como de agentes. O fim da pandemia não pode ser decretado apenas com o encerramento do ciclo de transmissão da doença. Só teremos vencido quando conseguirmos garantir amparo a todos aqueles afetados por ela. Especialmente, as crianças e jovens órfãos.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga