Na luta por justiça social todas as forças são importantes e nenhuma voz deve ser silenciada
Recentemente fui questionada acerca da legitimidade que tinha em carregar as bandeiras de lutas que me acompanham, afinal de contas não sou LGBTQIA+, não possuo nenhuma deficiência física, não sou assentada e nem agricultora. E se por um lado tenho muitos privilégios ante minha origem de classe média (filha de profissionais liberais) por outro me reconheço como mulher negra da cor parda e tenho a plena consciência que meus desafios não são tão gritantes quanto as de uma mulher negra da cor preta. Não se trata aqui esmiuçar o colorismo que sempre tenta diferenciar os tons das peles usando uma régua de medição de pessoa mais ou menos negra. A questão pura e simples é se a luta é valida ainda que não seja meu local de fala.
Perambulei horas a fio pensando se minha trajetória lutando pela garantia e efetividade dos Direitos Humanos deveria ou não ser desmerecida. Fui buscar na minha formação legalista de advogada uma razão que justificasse tais questionamentos que vieram de uma pessoa tão próxima, afinal advogar deriva do latim advocatus, particípio passado de advocare, "chamar junto a si", formado por ad, "aproximação, perto, junto", mais vocare, "chamar, apelar para", seria essa então a razão de defender essas bandeiras?
Acredito que sim. Ainda assim visitei Djamila Ribeiro no livro Lugar de Fala (2017), afinal de contas, levantar minha voz contra as injustiças sociais nunca foi feito com o intuito de silenciar pessoas no seu local de fala, e sim fazer ouvir seus clamores. Eis que ao promover uma multiplicidade de vozes quebra-se com o regime de autorização discursiva e se amplia o debate. Precisamos mais e mais que se abram os espaços e que as vozes sejam ouvidas e para isso há que se lutar contra essa hierarquia estruturada que silencia as minorias de direitos, e como fazer isso senão com a luta justa por representação, apesar de seus limites?
Sergio Nascimento de Carvalho, atual presidente da Fundação Palmares, como homem negro tem garantido o seu local de fala, mas não tem representatividade quando não reconhece o racismo existente no país, por exemplo. Nem toda pessoa negra é militante antirracista, nem toda mulher é feminista, nem toda pessoa com deficiência é anticapacitista, nem todo LGBTQIA+ luta contra o patriarcado. Pessoas são diferentes, algumas lutam por uma sociedade mais justa e outras lutam para manter o status quo.
Lugar de fala importa e representatividade também e é natural que caminhem juntos, num mundo ideal, onde todas as pessoas exercerão seus direitos igualmente numa construção baseada não apenas no principio da universalidade, mas sim no principio da equidade. Na luta por justiça social todas as forças são importantes e nenhuma voz deve ser silenciada.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Vanessa Gonzaga