Nos filiamos a proposição de uma resistência que conduza à superação do isolamento imposto
[Audiodescrição: Em fotografia colorida em um salão com exposições de pinturas e fotografias aparece a imagem, em primeiro plano de perfil da altura do quadril acima, de um jovem com Síndrome de Down com um pincel amarelo na mão direita realizando uma pintura. Ele é branco, tem cabelo curto castanho claro e está vestindo uma camiseta de cor branca com gola verde e um desenho em cores amarelo, azul e verde na manga. Ao seu lado, em segundo plano, também realizando uma pintura, aparece um jovem negro, de camiseta branca e calça jeans. Sobre a mesa na qual eles pintam, está uma caixa de madeira cheia de tintas coloridas e um livro de assinaturas aberto. Ao fundo, uma parede com prateleiras de madeira e um quadro colorido exposto. Ao longe, fotografias expostas na mesma parede e um fotógrafo fazendo o registro. Fim da descrição.]
Com a pandemia do covid-19 no Brasil, a educação remota e digital é catalogada como única opção de uma suposta normalidade educacional. Através do enunciado das “medidas educacionais emergenciais”, a grande estratégia é estarmos aliadas com a tecnologia para supostamente manter uma educação para todos. Será?
Podemos começar com o fato de que o “todos” referido no parágrafo acima não incluí quem constrói a Educação Especial e, se observarmos as condições de “acontecimento” desse processo - agora falando de professora para professora – a constatação é: estamos abandonadas! O “especial” que permeia o assistencialismo orientado para educação de pessoas com deficiência não é nada afetivo, muito pelo contrário; é um espaço de solidão, incertezas e despojo. E sabe aquela parceira (assim divulgada); a tecnologia? Aquela que deveria ser um meio nas mãos de diversas subjetividades? Ela passa a ser o foco. A educação recai em um produto, no resultado da atividade em detrimento do seu processo de desenvolvimento.
Se observamos com atenção, todo o movimento se constrói em torno da retirada das pessoas com deficiência da escola e, nós professoras, vamos juntas. Esse fato não se deve a existência ou não de tecnologias tendo como foco a participação plena das pessoas com deficiência. Não se trata disso!
A questão é que quando aliamos a taxa de desemprego, a qual se eleva no cenário pandêmico, somado ao empobrecimento da população, com a alta dose das forças capacitistas, jamais poderíamos levar em consideração a “escolha” apresentada na resolução cne/cp nº 2, do MEC, de 5 de agosto de 2021, na qual a Educação Especial tem um capítulo só para si, em que ao fim orienta-se “Em todos os casos em que o retorno às aulas e ao Atendimento Educacional Especializado presencial não for possível, recomenda-se que a instituição escolar e os profissionais do Atendimento Educacional Especializado apresentem para as famílias um plano de continuidade, no qual garantam condições diferenciadas para o ensino remoto, para evitar prejuízos e/ou evasão escolar”.
Em síntese, pensar em retorno e colocar essa “escolha” nas mãos de uma escola que luta pela sua sobrevivência, visto a desresponsabilização histórica do Estado brasileiro, o qual se alinha à reforma empresarial da educação com critérios de mercados em que as pessoas com deficiência não são bem-vindas e propositalmente afastadas, não é nada especial.
Constroem-se responsabilizações individuais às professoras em meio a uma maldosa descaracterização da garantia dos direitos sociais das pessoas com deficiência, as quais são descartadas em meio a uma naturalização filantrópica e caridosa cada vez mais forte diante da atual conjuntura, para ornamentar um caminho perversamente usurpador de pautas dos movimentos de militância; enfraquecendo-os, separando-os e cada vez mais apagando-os.
Professoras da Educação Especial e pessoas com deficiência, no final das contas estão no mesmo barco da educação: ambas estigmatizadas e marcadas pela problemática confusão entre direitos e assistencialismo; ambas empurradas com toda força para fora do cenário educacional e responsabilizadas pelo fracasso que é a própria ordem. Ambas oprimidas.
Mas esse não é o fim desse texto, porque como disse Paulo Freire: “os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação precisam reconhecer-se como homens em sua vocação ontológica e histórica de ser mais”. Por isso, a postura aqui é de comunhão, de nos empoderarmos, o que não quer dizer que não devemos cobrar do Estado as condições mínimas acerca dos nossos direitos éticos e políticos, mas assumirmos uma visão mais robusta sobre nós e o outro defendendo a ideia de que a homogeneização não é uma opção para a educação, porque somos diversos e muitos.
Nos apropriarmos disso significa concatenar com a ótica de que as ações políticas em comunhão precisam ser direcionadas à liberdade e que não é conjugando nossas ações com dependências e hierarquias sobre quem vale mais ou menos que iremos mudar as coisas. Isto porque quando reforçamos esses apagamentos achando que a retirada das pessoas com deficiência da escola é a solução, estamos criando mais dependências e sabemos a quem estas servem.
Paulo Freire dizia que “a ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprimidos como pontos vulnerável, deve tentar através da reflexão e da ação, transformá-la em independência [...] não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de “coisas”. Por isto, se não é autolibertação - ninguém se liberta sozinho – também não é libertação de uns feita por outros”.
Seguindo essa linha acrescento que a libertação só se dá em comunhão. Portanto, façamos de uma educação na qual existam e resistam pessoas com deficiência um ato revolucionário de comunhão crítica, seguindo uma luta lado a lado com intencionalidades, em uma tarefa na qual ambos sejam sujeitos do ato: desvelando, conhecendo, engajando, ocupando e recriando conhecimento.
Nos filiamos a proposição de uma resistência que conduza à superação do isolamento imposto, partindo de um caminho social, cultural e, por conseguinte, de políticas reflexivas e ativistas que encabeçam uma luta mais ampla pela justiça social, o que não é um desafio simples e está contido em uma antiga análise estrutural de complexa aplicabilidade.
No final das contas, por mais que tentem nos convencer disso o tempo todo, não estamos sozinhas. Somos mais e muitas e, ao invés de somar ao projeto de ordem e culparmos umas às outras vamos optar pelo caminho da desordem, nos dando as mãos. Porque esse ato, companheiras - o de dar as mãos em meio a tantas forças contrárias - é destinado às revolucionárias!
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga