Desde o dia 1º de novembro até o próximo dia 12 está acontecendo, em Glasgow (na Escócia) a 26º Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). O encontro tem como principal pauta o acompanhamento das metas definidas pelos países no Acordo de Paris. Assinado por 190 países em 2015, o acordo estabelece metas a serem alcançadas até 2050. A principal meta é a redução das emissões de gases do efeito estufa num nível que garanta uma elevação da temperatura em no máximo +2ºC até o fim do século.
O Brasil, país com maior biodiversidade do planeta e que detém em seu território a maior parcela da floresta amazônica, sempre foi referência mundial nos debates sobre o meio ambiente. Mas o país perdeu essa posição desde o início do governo Bolsonaro (2019). Ricardo Salles, que foi ministro do meio ambiente durante a maior parte do governo Bolsonaro, atacava publicamente organizações ambientais e defendia empresas que praticavam desmatamento ilegal para tráfico de madeira. Ele foi trocado no início de 2021 pelo novo ministro Joaquim Leite, que era auxiliar de Salles, mas é “mais moderado” em público.
Joaquim Leite foi o representante do governo brasileiro em Glasgow, mas a atual gestão parece menos interessada em frear o desmatamento e preservar o meio ambiente e mais interessada em ganhar dinheiro vendendo “créditos de carbono”. Nessa proposta encabeçada pelo Brasil, os países com maior emissão de dióxido de carbono pagariam para o Brasil preservar a Amazônia (já que a floresta “limpa” o gás na atmosfera). Mas o governo brasileiro teria certa liberdade para usar esse dinheiro, inclusive investindo em setores negativos para o meio ambiente, como o agronegócio.
Mas o Brasil já tinha acesso a recursos para preservar a Amazônia, como o Fundo Amazônia (mantido principalmente por Alemanha e Noruega), recurso que deveria ser utilizado exclusivamente para ações de preservação. Mas o governo Bolsonaro além de não utilizar o recurso, ainda estimulou o desmatamento e a grilagem na floresta amazônica. As ações do governo Bolsonaro levaram ao encerramento do Fundo Amazônia.
Inimigo do tema, o presidente Jair Bolsonaro não quis participar da COP-26. Em contrapartida, alguns representantes do Congresso Nacional foram à Conferência, a exemplo da primeira deputada indígena, Joenia Wapichana (REDE-RR).
De Pernambuco, o único representante foi o deputado federal Carlos Veras (PT), que foi como representante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, concedida ainda de Glasgow (Escócia) nesta segunda-feira (8), o deputado falou sobre como ataques ao meio ambiente afetam a população.
Brasil de Fato Pernambuco: o senhor recebeu a responsabilidade de representar a Comissão de Direitos Humanos no encontro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Gostaria que explicasse essa relação entre os retrocessos ambientais e os ataques direitos básicos da população.
Veras: No Brasil temos exemplos claros dessa relação, como no caso de Mariana [município de Minas Gerais afetado pelo rompimento da barragem do Fundão, das empresas Vale e BHP Billiton, em 2015] e Brumadinho [em 2019 foi a vez da barragem do Córrego do Feijão, também em MG], dois crimes ambientais, e sabemos a situação em que vive a população hoje, ainda sofrendo e com direitos violados.
Outros exemplos são as queimadas na Amazônia, o garimpo nas terras indígenas – que sempre é debatido na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. A desertificação no Sertão, a quantidade de venenos agrotóxicos liberados pelo governo brasileiro – inclusive com pulverização aérea, prejudicando a população. Esse debate do clima tem a ver com a desigualdade social, com os ataques aos Direitos Humanos.
O Governo brasileiro deixou de lado, abandonou a agricultura familiar, não tem mais apoio do Governo Federal. Os projetos de lei (PLs) para essa população são sempre vetados pelo presidente. Mas é a agricultura familiar que garante a defesa da natureza e a produção orgânica de alimentos, sem uso de veneno. São eles que podem ajudar no reflorestamento. São também os povos indígenas que mantém a Amazônia em pé. E não se pode falar de questões climáticas sem falar da demarcação de terras indígenas e titulação das terras quilombolas.
E essa ausência de políticas públicas tem efeitos climáticos, que têm contribuído para termos hoje 125 milhões de brasileiros com dificuldade de acesso a alimentação. A nossa missão aqui na COP-26 é fazer esse debate. Aqui temos várias vozes brasileiras, muita gente da sociedade civil e governos estaduais; e um stand separado que é o Governo Federal, que não é a mesma coisa.
O Governo Federal está aqui tentando dar uma ‘pedalada’, dizendo que vai reduzir em 50% a emissão de gases do efeito estufa. O compromisso anterior era de 46%. Então está ficando na mesma, trocou seis por meia-dúzia. E o mundo e os cientistas olham com extrema desconfiança para o Brasil. Eles dizem que o Brasil teria condições de reduzir as emissões em 80%. Mas o governo tem tratado a natureza como um problema financeiro. Estamos aqui para mostrar, denunciar os crimes ambientais do governo Bolsonaro. Viemos colocar em pauta os indígenas, os quilombolas e a agricultura familiar.
BdF Pernambuco: Existem pelo menos quatro fortes questões ambientais em Pernambuco. O Recife é a 16ª cidade do mundo com maior risco diante dos impactos das mudanças climáticas; na região de Suape, no litoral Sul do estado e na Zona da Mata temos muitos casos de grandes empresas despejando substâncias tóxicas no meio ambiente e prejudicando famílias; e no Sertão temos o desmatamento e desertificação da Caatinga, além do projeto de instalação de usina nuclear às margens do São Francisco. O senhor teve a oportunidade de participar de algum painel que contribua com alguma dessas temáticas?
Veras: O prefeito do Recife, João Campos (PSB), esteve aqui na COP participando de algumas atividades e buscando cooperação para algumas questões do Recife. O governador Paulo Câmara (PSB) também deve assumir compromissos e anunciar cooperações para atuar na questão climática em Pernambuco, nos temas de reflorestamento, reduzir a emissão de dióxido de carbono (CO2). Esses debates eu pretendo continuar fazendo no estado.
Espero que após a COP-26 os governadores, prefeitos e chefes das nações se empenhem para cumprir de fato o que assinaram. Porque assumir o compromisso e não cumprir, não adianta nada. E a Terra pede socorro. Não dá para continuar vivendo do jeito que vivemos no Brasil e no mundo. Precisamos parar de explorar o planeta e passar a cuidar dele. Então é necessário ter atitude.
BdF Pernambuco: O que o senhor destaca como principais painéis ou debates que assistiu e participou na COP-26?
Veras: Aqui são diversos painéis. Acabo de participar de um sobre como ações no campo jurídico podem contribuir com a defesa da natureza e frear ataques aos Direitos Humanos. Um debate riquíssimo, com um conjunto de entidades, com governadores, parlamentares. Aqui há uma articulação mundial entre defensores de Direitos Humanos e sairemos daqui com uma grande rede articulada para seguir defendendo essas pautas.
Quando chegar ao Brasil vou apresentar um requerimento para a realização de audiência pública para tratar dessa relação ‘clima e Direitos Humanos’ e reunir os deputados e deputadas do campo progressista para apresentar um projeto de lei para proibir empresas de alguns setores de continuarem poluindo e desmatando tanto, atacando nossa natureza.
BdF Pernambuco: Mudando de tema. Nesta terça (9) temos a votação em segundo turno da PEC 23 [PEC dos Precatórios], que permite ao Governo Federal adiar o pagamento das dívidas e, segundo o governo, isso vai viabilizar (por apenas um ano) o Auxílio Brasil, programa que substitui o Bolsa Família. A votação em primeiro turno foi apertada [o governo precisava de 304 votos e obteve 308], mas gerou fortes críticas, principalmente ao PDT, partido do campo progressista, mas que votou a favor da PEC. Você teve conversas sobre o tema? Há expectativa é de mudança no placar?
Veras: De modo muito sacana o governo tem tentado dizer que essa é a ‘PEC do Auxílio Brasil’, mas não tem nada a ver. O Auxílio Brasil se faz através de Medida Provisória (MP) que deve ser votada até o dia 7 de dezembro. Nesta terça é PEC dos Precatórios ou ‘do Calote’.
Infelizmente o PDT acabou caindo numa narrativa que levou eles a orientar o partido a votar a favor, dizendo que era para garantir 60% dos precatórios para os professores – mas isso já está garantido em lei, inclusive uma lei do deputado e vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL do Amazonas), que nós votamos a favor, depois o presidente vetou, mas nós derrubamos o veto.
Estamos trabalhando para reverter o placar dessa PEC que autoriza o governo a meter a mão nos precatórios dos professores e professoras, que lutaram, que esperaram o julgamento, que ganharam e agora veem o governo querer meter a mão no seu dinheiro. É gente que precisa desse recurso para quitar dívida ou para ter sua casa própria, muitos idosos que estão esperando esse recurso.
Edição: Vanessa Gonzaga