Os séculos de exploração culminaram com a abolição que não se deu de fato
O mês de novembro consta no calendário de eventos como o mês da consciência negra, uma referência ao 20 de novembro, dia em que se celebra a memória de Zumbi dos Palmares, um dos lutadores da resistência dos quilombos contra a escravidão negra no Brasil.
De um dia, passamos a um mês da consciência negra, na certeza de que a data não se esgota em si própria, apenas marca a urgência em tratar questões seculares decorrentes dos mais de três séculos de escravidão no Brasil.
As sucessivas leis relacionadas ao povo escravizado – lei do ventre livre, lei do sexagenário e até a lei áurea – se mostraram insuficientes e até hipócritas para afirmar liberdades do povo negro.
Não fosse a resistência organizada, a fortaleza religiosa, a riqueza cultural do povo negro, certamente toda a política de embranquecimento social teria negado a história de África e sua importância na construção da sociedade brasileira.
Os séculos de exploração do trabalho, as torturas, as violações sexuais culminaram com a abolição que não se deu de fato, entregando os “negros e negras libertos e libertas” à sua própria sorte. Vem daí a gênese da produção das desigualdades sociais e das injustiças sociais que os dados estatísticos revelam, até hoje, sobre a população negra brasileira.
De acordo com o Atlas da Violência, os negros e negras representam 75,7% das vítimas de homicídio e são também os maiores alvos da violência policial exposta diuturnamente nos programas de TV e nas redes sociais.
O abismo econômico entre brancos e negros também persiste. Dados do IBGE, no início da série histórica de 2012, mostram que o rendimento médio mensal dos brancos foi 57,3% superior ao dos negros. Em 2019, quase nada mudou: a população branca recebeu, em média, 56,6% a mais que a população negra.
Já os impactos recentes da pandemia no mercado de trabalho elevaram drasticamente as taxas de desemprego entre a população negra, além dos próprios dados da assistência à saúde revelarem gritantes desigualdades.
Hoje, tanto quanto nos períodos mais duros da história, o obscurantismo e o fundamentalismo pautados e estimulados pelo governo federal, fazem ressurgir práticas racistas em todas as áreas sociais. Aliados ao liberalismo econômico são esteios do bolsonarismo. Combatê-los e enfrentá-los é questão urgente do povo brasileiro. É a conjugação dessa política econômica com a ausência de políticas sociais que tem aumentado a pobreza, a fome, o desemprego, a violência, sendo a população negra a maior vítima.
As comemorações do mês da consciência negra em Pernambuco são abertas com a tradicional Caminhada de Terreiros, este ano na sua décima quinta edição, a clamar contra a intolerância religiosa e o racismo religioso.
Penso que é da análise desses dados, da memória dessa história, das marcas dessa resistência que se passa à consciência negra!
A construção da consciência negra se vincula à consciência crítica de Paulo Freire. Analisar criticamente a realidade e tomar posição sobre ela. Superar a consciência ingênua que impôs o mito da miscigenação e a aceitação pacata das desigualdades. A consciência ingênua que podou a afirmação da negritude identitária de um povo, de uma raça, de uma cultura.
A consciência negra celebrada em todo 20 de novembro, é antes de tudo uma consciência crítica. Que acalentou os sonhos de liberdade, que deu suporte à resistência, que deu corpo às lutas coletivas dos quilombos.
Que seja conjugada no presente, no hoje, no agora.
Viva Zumbi, viva Dandara! Viva Zumbi e Dandara que vivem em cada rosto negro, em cada corpo negro, em cada gesto negro, em cada pele negra que canta, que dança, que luta e que labuta por nosso país.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga