Neste sábado (20) dezenas de cidades brasileiras terão manifestações de rua lideradas pelo povo negro, destacando suas pautas e pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Os protestos destacam que a população negra é a principal vítima do avanço da fome, do desemprego e do aumento do custo de vida, além de outras posturas consideradas racistas por parte do poder público. Até o momento o único ato confirmado em Pernambuco acontece no Recife, a partir das 14h, no Pátio da Igreja do Carmo (ou Pátio do Carmo), no bairro de São José, área central da capital.
No Recife a manifestação do “20N” está sendo chamada de “Marcha da Consciência Negra de Pernambuco” e tem como palavra de ordem nacional “o povo negro resiste ao genocídio antes, durante e depois da pandemia”. O ato fará uma curta caminhada de 20 minutos até a Praça do Arsenal, no bairro do Recife, onde haverá o “Festival de Cultura Negra”, com apresentações artísticas de afoxé, coco, rap, trap, pop, funk, poesias e DJs. Sobem ao palco o Afoxé Oya Alaxé, Okado do Canal, Uana, IdLibra, Boneka, Recital Boca no Trombone, Pajé IB, Coco do Seu Zé Moleque, Sujistência, DJ Themonia e Kizombadeiras.
O ato político e cultural é organizado pela Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), pela Coalizão Negra por Direitos e pela campanha nacional Fora Bolsonaro, que reúne as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, sindicatos, organizações estudantis e outras organizações da sociedade civil. A campanha Fora Bolsonaro planejava seu 7º ato para o último dia 15, mas mudou a data para casar com os protestos planejados pela Coalizão Negra por Direitos e as organizações locais de luta antirracista.
Os organizadores destacam o cenário de crise social e econômica, com desemprego, alto custo de itens básicos como alimentação, energia, gás e gasolina, assim como a falta de medidas do Governo Federal para mudar este cenário. As consequências são aumento da fome e da população em situação de rua. Em todos os problemas elencados, a população negra representa a maioria dos atingidos.
Ingrid Farias, em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, integrante da Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), conta que o ato deste sábado levará às ruas pautas históricas da população negra nas áreas de segurança pública, saúde, educação, cultura e território, mas também questões recentes e pautas locais do estado.
“O caso do menino Miguel é muito emblemático para nós população negra, inclusive se relaciona com o contexto de pandemia. Também há casos recentes de racismo religioso, ataques às religiões de matriz africana”, diz ela, mencionando ainda a pouca qualidade dos dados de saúde da população negra durante a pandemia.
Ingrid adiciona que, mais que denunciar as violências sofridas, este 20 de novembro tem o objetivo de valorizar a resistência do povo negro. “Estaremos nas ruas celebrando a existência, a resistência e a contribuição da população negra para a construção da sociedade pernambucana e brasileira”, diz a militante.
Farias, que classifica a atual gestão federal como “fascista”, comemora a construção conjunta do 20 de novembro com a Campanha Fora Bolsonaro. Ela diz que a ideologia desse governo “nasce sobre a estrutura do racismo e do machismo”. “A agenda de ataques de Bolsonaro é uma agenda que atinge principalmente a população negra. Quando observamos quem são os grupos mais atingidos pelas políticas fascistas, com a política de morte desse governo, as mais afetadas são as populações negras”, pontua.
Mas ela lembra que o racismo vai além da atual gestão em Brasília. “Esta conjuntura política é um momento. Mas o racismo no Brasil é estrutural e precisamos enfrentá-lo não só no atual governo. Para construirmos uma sociedade diferente para a população preta, teremos que resistir para além do atual governo fascista”, avalia ela.
Caravana Negra
Esta semana Ingrid e outros membros da Anepe estiveram em Garanhuns (no dia 16) e Arcoverde (dia 17), nas regiões agreste e sertão de Pernambuco. Nesta sexta-feira (18) estarão no município do Ipojuca, região metropolitana do Recife. A série de incursões da Anepe foi chamada de “Caravana Negra”.
Segundo Ingrid, em Garanhuns a atividade no Quilombo Estiva foi uma roda de conversa com mulheres, apresentando a Anepe e a Coalizão Negra por Direitos. Em Arcoverde o encontro reuniu a Associação de Resgate e Cultura Afro (Arca) e estudantes da rede pública no Ateliê do Mestre Assis Calixto. No Ipojuca uma nova roda de conversa com mulheres negras.
“O principal objetivo é fortalecer e articular os movimentos negros e antirracistas que atuam no estado, tanto na metropolitana como no interior”, diz Farias, que garante a continuação das caravanas em 2022. No ato de rua deste sábado, no Recife, haverá grupos vindos do agreste e sertão.
Pátio do Carmo é símbolo
O Pátio do Carmo é o local onde ficou exposta a cabeça do líder quilombola Zumbi dos Palmares, em 1695. Zumbi foi morto aos 40 anos, por uma expedição militar financiada pela Coroa Portuguesa e pelos latifundiários da cana de açúcar na capitania de Pernambuco. Um ano antes uma outra expedição financiada pela Coroa Portuguesa havia destruído o conjunto de mocambos que ficou conhecido como Quilombo dos Palmares, que por 94 anos recebeu negros fugindo da escravidão.
Pelo simbolismo, o Pátio do Carmo já reuniu muitas manifestações políticas e culturais do povo negro de Pernambuco. Na década de 1990 o Movimento Negro Unificado (MNU) encampou a reivindicação para que no local fosse erguida uma estátua em homenagem a Zumbi dos Palmares. Anos depois foi colocado um busto em homenagem ao líder quilombola. A atual estátua de corpo inteiro, assinada por Abelardo da Hora, foi posta no local em 2004.
Edição: Vanessa Gonzaga