Pernambuco

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Ações de arte e cultura transformam realidade de crianças e adolescentes da periferia do Recife

Nos bairros de Santa Isabel, Ibura e na comunidade do Coque, ações promovem dança, música e esportes; saiba como ajudar

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A Orquestra Criança Cidadã atende 400 jovens de seis a 21 anos em diferentes cidades da RMR - Leandro Lima/Divulgação

“Em um lugar onde não há cultura, a violência vira espetáculo”, diz uma frase célebre de um grafite registrado no muro de uma escola em Governador Valadares, em Minas Gerais. A máxima vale para todas as periferias de cidades brasileiras que sofrem com a alta da criminalidade e o baixo número de equipamentos e atividades de lazer. Para as crianças, o envolvimento com atividades recreativas pode ser uma maneira de manter essa juventude em contextos de vulnerabilidade longe das estatísticas. Em Pernambuco, iniciativas não governamentais se propõem a engajar os jovens de comunidades de baixa renda na arte e ludicidade.

A pedagoga Ruth Lima, gerente de Programas da ONG Visão Mundial, que luta pelo direito de crianças e adolescentes, explica que as atividades incentivadas e realizadas na infância influenciam nos caminhos que serão tomados com o passar da idade. “As crianças, pela sua própria natureza, precisam o tempo todo estarem envolvidas com alguma coisa. É nessa aprendizagem que elas entendem o que é bom, o que não é bom, o que é socialmente permitido ou não. Quando elas perdem essa referência, ou não conseguem desenvolver esse referencial, elas começam a consumir de tudo”, fala a especialista. 

É por isso que ela reforça a necessidade de inserir crianças em interações com ocupações que contribuam para o seu desenvolvimento “Se ela está em regiões de periferia onde os tipos de violência são inúmeros, e você apresenta alguma alternativa de iniciativas sociais e de lazer e ela se engaja nisso, a tendência é que a gente consiga reduzir algum tipo de consequência dessa violência que ela vivenciar por estar neste contexto", afirma.

As atividades lúdicas não têm apenas apelo social, mas também auxiliam no desenvolvimento infantil com estímulos cognitivos e de coordenação motora.

“Quanto mais diversas forem as características que essas iniciativas trouxeram, maiores as chances de ela se desenvolver. A ludicidade desses momentos interativos constroem habilidades que se sente quando vira adulto”, detalha a pedagoga.

Agraciada com mais de 30 prêmios nacionais e internacionais, a Orquestra Criança Cidadã é um desses projetos que transformam realidades de crianças e adolescentes por meio da arte e inclusão social. Atendendo 400 jovens de seis a 21 anos em Pernambuco, a iniciativa oferece, sempre no contraturno escolar, aulas de instrumentos de cordas, sopros e percussão, de teoria musical, flauta doce e coral. Os meninos ainda recebem atendimento psicológico, médico, odontológico, aulas de inclusão digital e apoio pedagógico, além de fardamento e três refeições diárias.

O juíz de Direito João José Rocha Targino, idealizador e coordenador do projeto, conta que a Orquestra surgiu 15 anos atrás com o intuito de prover uma existência digna a crianças da comunidade do Coque, comunidade no centro do Recife que possui o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo da capital. Desde então, a iniciativa expandiu e chegou também ao distrito de Camela, no município de Ipojuca, e na Zona Rural de Igarassu.

“Por meio da disciplina e da apuração da sensibilidade despertada pelo ensino musical, os alunos do projeto - assim trabalhamos para tal -, chegam a um patamar em que podem tocar em eventos de toda espécie, formar grupos, estudar para concursos públicos e, no caso dos alunos de luteria e arqueteria, montar suas próprias oficinas de confecção de instrumentos e arcos”, diz Targino. “Não fosse pelo projeto, jovens como Antonino Tertuliano, contrabaixista residente em Israel há cinco anos, ou João Pedro Lima, violinista estabelecido em Lisboa há três, talvez não tivesse ampliado os horizontes de vida.”

Por conta de parcerias com universidades e intercâmbios para o exterior, alunos de destaque já puderam estudar na Polônia, Áustria, República Tcheca, Alemanha, México, Canadá e Espanha. Os meninos já fizeram inúmeros concertos ao redor do mundo, como para o Papa Francisco II, no Vaticano; e na sede da ONU, em Nova Iorque. A Orquestra recebe financiamento do Governo Federal através da Lei Rouanet, e patrocínio direto de empresas como a Caixa Econômica Federal.

Balé como ferramenta de mudança social

Outra iniciativa que envolve crianças com arte é o Pontinhas de Futuro, localizado no Alto Santa Isabel, na Zona Norte do Recife. Há cinco anos, a professora de dança Jay Figueirêdo idealizou um projeto para levar aulas de balé clássico a 20 crianças da comunidade. De lá para cá, a estrutura cresceu e ela consegue atender 100 crianças de três a 18 anos de bairros da Zona Norte. As meninas ainda têm direito a atendimento médico em consultório do próprio espaço, que fica na Paróquia da Igreja Católica do Alto Santa Isabel.

Do total de alunas, 70% tem bolsa integral, enquanto 30% pagam uma taxa de R$ 30 para manter os custos do projeto. Segundo Jay, o Pontinhas de Futuro não recebe apoio financeiro do poder público, mas conta com um sistema de apadrinhamento. “Cada criança que ingressa no projeto recebe uma madrinha que fica responsável pela compra do primeiro fardamento e também por contribuir em quatro eventos anuais: Páscoa, São João, Dia das Crianças e festa de encerramento de fim de ano”, explica.


O Pontinhas de Futuro atende 100 crianças de três a 18 anos de bairros da Zona Norte do Recife / Reprodução

No momento, existem quatro turmas, sendo Jay a única professora. Além dela, trabalham também no projeto o marido, com o Administrativo, e duas voluntárias nas Mídias Sociais. Vez ou outra, a equipe consegue levar palestras sobre alimentação saudável, teatro, contadores de histórias, e workshops de danças diferentes.

A Zona Sul do Recife também conta com uma iniciativa de dança para crianças. Funcionando na comunidade do Chapéu do Papa, no Ibura, Lagoa Encantada, o Espaço Cris Martins oferece há dois anos aulas de balé a um preço simbólico. As meninas da comunidade participam com uma mensalidade de R$ 20, e as de fora, com mais dificuldades financeiras, de R$ 10. 

A coordenadora Cristiane Martins conta que gostaria de oferecer as aulas gratuitamente, mas precisa do valor arrecadado para repassar ao professor. “Antes da pandemia, as aulas eram de R$ 25 reais e algumas crianças contavam com apadrinhamento de comerciantes da comunidade. Com a pandemia, muito comércio fechou e não existe mais esse apoio”, fala. 


As crianças do Espaço Cris Martins podem ser apadrinhadas para custear as aulas e fardamento do ballet / Divulgação

O projeto também não conseguiu voltar a ofertar aulas de artes marciais, como fazia no passado. “A gente também está se organizando para comprar as roupinhas de balé, que nenhuma das meninas ainda tem”, revela. Interessados em colaborar com doações, aulas ou apadrinhamento podem entrar em contato com Cristiane através do Instagram.

O espaço ainda é ponto de outras ações sociais, como entrega de alimento a cem famílias cadastradas no projeto Mãos Solidárias e encontros de mulheres sobre violência doméstica.

Edição: Vanessa Gonzaga