A vida das mulheres negras é atravessada por diversos tipos de violência: o racismo, o patriarcado e o capitalismo, elementos estruturais da sociedade brasileira que atuam no sentido de posicionar as mulheres negras na base da pirâmide social, ocupando o lugar menos privilegiado da sociedade.
Na semana do Dia Internacional de Combate à Violência Contra A Mulher e no mês em que celebramos o dia da Consciência Negra, o Prosa e Fato abordou as diversas violências vivenciadas pelas mulheres negras com duas convidadas muito especiais. Você confere agora os melhores momentos da entrevista com Vera Baroni, advogada, integrante da Uiala Mukaji e da Rede de Mulheres de Terreiro e Dani Rodrigues, do Grupo de Estudos de Mulheres, Trabalho e Seguridade Social (GEMTSS) e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.
Governo e políticas para a população negra
A análise de Vera Baroni é que o governo Bolsonaro é nocivo para as mulheres negras e que ainda nas eleições de 2018 esse processo era evidenciado. Para ela, as ações do governo estão “afetando a vida de todas as pessoas, de todos os trabalhadores e de nós mulheres negras em especial. Desde o período pré-campanha do governo Bolsonaro ele já se posicionava com relação aos aos mínimos direitos que o povo negro havia conquistado no Brasil e e já dizia que se fosse eleito não ia titular nem mesmo uma terra para as comunidades quilombolas”.
Ela afirma que a precarização do trabalho, possibilitada através de reformas como a trabalhista, tem um impacto direto na vida da população negra. “No que diz respeito ao aos direitos trabalhistas ele já anunciava que aqui os direitos eles seriam revisados, não revisados para maior, para ampliação de direitos, mas para a desconstituição dos direitos dos direitos sociais” explica.
Violência contra a mulher em Pernambuco
No Brasil, 56% da população é negra, mas os dados mostram um impacto desproporcional na questão da violência negros e brancos no brasil. Segundo o Atlas da Violência no Brasil de 2020, de 2017 a 2018, houve uma redução de 8,4% na taxa de homicídios contra a mulher, de forma geral, mas ainda com uma disparidade racial: a taxa de homicídios de mulheres não negras reduziu 12,3%, enquanto a de mulheres negras reduziu apenas 7,2%.
Dani Rodrigues ressalta que a pandemia teve um papel na agudização da violência. “Essa pandemia veio e nos mostrou o quanto existe desigualdade entre a população negra e o restante da população não negra. Então essa questão da violência doméstica em especificamente aqui em Pernambuco, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve uma subnotificação do número de denúncias de violência”.
Ela relembra a disparidade dos números de feminicídios de acordo com a raça. “Os dados de feminicídio no ano passado aqui em Pernambuco foram de 75 feminicídios. E aí a diferença do ponto de vista racial desse desse universo é que 29,8% foram mulheres brancas e 32,9% de mulheres negras, então a gente vê aí nos dados do quanto que está mais exposta a mulher negra”, afirma.
Racismo religioso e mulheres de terreiro
Uma das expressões da violência que foge do espaço doméstico é justamente o racismo religioso. Vera, que integra a Rede de Mulheres de Terreiro explica como a entidade nasceu e atua “Nossa ideia era reunirmos mulheres de outros terreiros para conversar sobre as nossas necessidades e a primeira delas foi a questão da aposentadoria das nossas mais velhas. Nós identificamos que tinham muitas mulheres de terreiros idosas que não tinham aposentadoria e que passavam por uma situação de necessidade muito grande”, relembra.
Ela explica que a articulação engloba mulheres de outras religiões “Convidamos as mulheres que são umbandistas das diversas matrizes, as mulheres que cultuadoras da Jurema Sagrada, para que nós coletivamente pensássemos como nós iríamos em busca da aposentadoria pras nossas mais velhas”.
Vera explica quais pautas envolvem a rede “No mundo todo, as mulheres negras carregam nas suas vidas as mazelas que essa sociedade ainda alimenta. Então a rede nasceu pra isso: para fortalecer nossa identidade, para que nós definíssemos o que era bom pra todas nós e para fortalecer a nossa resistência e a nossa luta por dignidade e liberdade”.
Racismo estrutural e acesso à cidadania
Quando questionada sobre quais são as principais demandas das mulheres negras hoje, Dani reflete sobre como a falta de políticas sociais de maneira mais ampla são reflexo do racismo e atinge de maneira mais contundente as mulheres negras “A gente tem que voltar um pouco e refletir sobre esse racismo que é estrutural de nossa sociedade e perpassam aí todas as relações sociais e políticas. Os dados oficiais mostram que a maioria da população brasileira é negra. E aí a gente pensando nas mulheres negras nesse contexto, podemos dizer com total segurança que a falta ou então a fragilidade de muitas políticas públicas em alguns estados e municípios, que são até inexistentes, trazem um impacto gigante na vida dessas mulheres negras”.
Ela explica que a superação das desigualdades passa necessariamente pela garantia dos direitos sociais básicos “ Então a principal demanda hoje é a ausência de políticas públicas na seguridade social, na saúde, segurança pública, enfim… esse acesso à cidadania”, conclui.
Edição: Vanessa Gonzaga