Mais um caso de violência contra a mulher termina em morte no Recife. A cozinheira e estudante de gastronomia Luanna Santos Fernandes Ribeiro, 25 anos, foi estuprada dentro do restaurante em que trabalhava no dia 5 de novembro e morreu por suicídio 12 dias depois, deixando uma filha de 1 ano e 8 meses.
Segundo o Boletim de Ocorrência (B.O.) feito pela vítima no dia 12 do mesmo mês, o acusado é Maurício Francisco dos Santos, 57, à época chef de cozinha na mesma pizzaria em que ela era empregada, a Laponi Pizza e Pasta, localizada no bairro de Apipucos, Zona Norte da capital pernambucana. Passado quase um mês da denúncia e sem a conclusão do inquérito policial, familiares e amigos que formam o coletivo independente #JustiçaporLuanna pedem celeridade nas investigações.
O B.O. ao qual o Brasil de Fato Pernambuco teve acesso - e que inclui um pedido de medida protetiva - descreve as violências que Luanna relatou ter vivido. No documento, a jovem denunciou que estava em serviço quando, por volta das 20h, foi seguida até o vestiário do estabelecimento por Maurício, que a empurrou contra os armários, a agrediu fisicamente e a violentou sexualmente. No dia seguinte, ele ainda teria oferecido R$ 10 para que ela comprasse uma pílula do dia seguinte.
Ao receber a mensagem do acusado, Luanna teria quebrado o próprio celular em desespero, conforme conta uma representante do movimento que optou por não se identificar. Os 12 dias que se seguiram até sua morte foram “sentindo nojo de si mesma, sem aguentar carregar aquilo”.
Mesmo assim, em 11 de novembro, ingressou no Centro de Referência Clarice Lispector, onde foi recebida por técnicas do setor jurídico, psicológico e social que a orientaram para os procedimentos seguintes, de acordo com informações da Secretaria da Mulher do Recife (SEMUL). No mesmo dia, foi ao Serviço de Apoio à Mulher Wilma Lessa, no Hospital Agamenon Magalhães, e teve atendimento conforme o protocolo para vítimas de violência sexual; e, no dia 12, foi à 1ª Delegacia de Atendimento à Mulher para registro do B.O. Ela ainda foi à Defensoria Pública de Pernambuco e a um sindicato para lidar com as questões trabalhistas.
A fonte é uma amiga que considera Luanna como irmã. Ela fala que o restaurante e as primeiras pessoas próximas que a cozinheira procurou não deram a devida atenção à denúncia e não conseguiram acolhê-la - o que ela considera um agravante que pode ter colaborado para o desfecho do caso. O suporte que precisou encontrou no pai da sua filha, ex-namorado e amigo, que a ajudou com os encaminhamentos. No dia 17 de novembro, quando ia deixar a casa do companheiro atual para se mudar para a dele, Luanne foi encontrada já sem vida.
“Quando procurou esse apoio, ela não teve, e quando tentou buscar o apoio de pessoas que podia contar, foi já bem tarde”, afirma a amiga, lamentando não ter podido auxiliá-la mais em vida. Perguntada sobre como era Luanna, ela começa a falar, mas é interrompida pelo choro. “Uma pessoa incrível. Por onde passasse, ela marcava. Uma pessoa que sempre estava lá para todo mundo, para quem precisasse”.
Uma outra amiga que engrossa o coro #JustiçaporLuanna toma o telefone para também descrevê-la: "Luanna era isso mesmo, um furacão. Uma mulher cheia de energia, brincava muito. Era muito trabalhadora, desde pequena, realmente uma mulher forte. Já trabalhou em vários restaurantes, era uma cozinheira de mão cheia.” Sua vida foi interrompida quando estava perto de se formar em Gastronomia pelo Centro Universitário Brasileiro (Unibra), faltando apenas uma cadeira para a finalização do curso. As duas fontes escolheram preservar suas identidades por medo de retaliação.
Investigação Policial
O suspeito pelo crime segue em liberdade enquanto a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) realiza as investigações por meio da 1ª Delegacia da Mulher de Santo Amaro. O coletivo que age em nome de Luanna aguarda uma resolução do caso para tomar os passos seguintes na busca por justiça. A reportagem questionou o órgão sobre qual seria o prazo para a finalização do inquérito e se a medida protetiva chegou a ser expedida e cumprida. Em nota, o órgão comunicou que “para não atrapalhar o bom andamento da investigação, maiores informações só poderão ser fornecidas após a conclusão do inquérito.”
O texto informa apenas que a polícia “registrou, através da 1a Delegacia de Polícia da Mulher, em Santo Amaro, ocorrência de Estupro (consumado), no dia 12 de novembro. A vítima, uma mulher de 25 anos, afirma que sofreu violência sexual por parte do autor, um homem de 57 anos, dentro de um estabelecimento comercial no bairro do Poço da Panela. As investigações foram iniciadas de imediato e seguem até total elucidação do fato.“
Alguns dispositivos eletrônicos podem ajudar na elucidação do crime. No B.O. consta que, em um caso de assédio, Maurício teria enviado um vídeo pornográfico para o telefone da jovem. Por conta disso, o celular seria uma das peças fundamentais para a conclusão do inquérito.
O grupo que reúne familiares e amigos da vítima torce para que seja possível recuperar o conteúdo do aparelho quebrado, que está em posse da polícia. Além disso, embora não tenha havido testemunhas do crime, a pizzaria contava com um câmeras de monitoramento que podem ter filmado o corredor.
A Pizzaria
A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco tentou contato com a Laponi Pizza e Pasta por telefone, mas não obteve sucesso. O espaço está aberto caso o estabelecimento deseje se pronunciar.
No último dia 20, o restaurante publicou duas notas no Instagram, a princípio informando do afastamento do chef, e, depois de repercussão negativa, confirmando a sua demissão. A pizzaria também afirmou que fechou as portas definitivamente e não abrirá mais. A equipe se colocou à disposição da polícia para liberação de conteúdos ou depoimentos.
O Acusado
A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco tentou contato com o acusado. Até o fechamento desta matéria, não houve resposta. Caso deseje, ele também pode apresentar sua versão dos fatos.
Preciso de Ajuda
Caso seja vítima de assédio, acione a polícia para registrar um B.O. na delegacia mais próxima. Você pode fazer uma denúncia pelos telefones da Polícia Militar (190) e do Disque 180. No Recife, as vítimas de violência doméstica e/ou sexista podem buscar orientação e atendimento no Centro de Referência Clarice Lispector, na Rua Doutor Silva Ferreira, 122, no bairro de Santo Amaro, na área central. O serviço opera de domingo a domingo, 24h por dia, e acolhe e dá encaminhamento às mulheres. Também é possível entrar em contato através do Liga, Mulher: 0800 281 0107 e do WhatsApp 24 horas (81 99488.6138).
Se você está em sofrimento psíquico, busque ajuda profissional. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são um serviço de portas abertas, ou seja, qualquer um pode procurar uma unidade e ser acolhido no mesmo dia. No site da Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco, é possível encontrar a lista completa de serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em cada município.
Todo ano, cerca de 800 mil pessoas tiram a própria vida no mundo. No Brasil, 12.895 pessoas morreram por suicídio em 2020, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021. O comportamento suicida é frequentemente associado à quadros depressivos, que são tratáveis. A associação filantrópica Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito em prevenção ao suicídio e apoio emocional por meio do número 188. Também é possível acessar outros meios do serviço através do site do CVV.
Enlutados
O sofrimento das pessoas próximas de alguém que morreu por suicídio pode ser intenso e imensurável. No Recife, há grupos de apoio destinado para esse público:
CVV GASS RECIFE/PE (Madalena)
Frequência e horários: Reuniões na 1ª e 3ª segunda-feira do mês, das 19h às 21h
Endereço: Rua Monsenhor Ambrosino Leite, 155, Santana, Recife – PE
Contatos: (81) 9717-7111; (81) 9 8891-1380
CVV GASS RECIFE/PE (Boa Viagem)
Frequência e horários: Reuniões na 1ª e 3ª sextas-feiras do mês, das 15h às 17h00
Endereço: Rua Sirinhaém, 125-A, 'Córrego do Jenipapo, Recife, PE
Contatos: (81) 9 8165-1871
Edição: Vanessa Gonzaga