Em memória de Andreyvson Richard Silva - artista de rua morto aos 25 anos na noite do último dia 6 na Rua Mamede Simões, via preenchida por bares na área central do Recife -, família, amigos e militantes do movimento hip hop e negro se articulam em busca de justiça e para homenageá-lo.
Conhecido como Japa, Andreyvson recitava suas poesias no transporte público e nos caminhos das cidades da Região Metropolitana. Um sarau em seu nome está sendo organizado para acontecer no Bar do Matuto, na Rua Bulhões Marques, conhecida pelos frequentadores como Beco do Poeta, no centro da capital. Na ocasião, artistas também deverão grafitar um mural com a imagem de Japa em uma das paredes do estabelecimento onde ele estava presente quase todos os dias.
O ato cultural está sendo estruturado por coletivos do movimento Hip Hop local com apoio de outros movimentos sociais, como a Articulação Negra Pernambuco (Anepe) e a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. Tuca Duarte, integrante do Point Bomb Recife - um desses coletivos - e da Anepe, conhecia Japa pessoalmente e conta que os grupos decidiram de maneira conjunta neste primeiro momento homenagear o poeta antes de realizar um ato na Rua Mamedes Simões.
“Ele era um artista de rua, uma pessoa do movimento da cultura, era um poeta, então nada melhor que manter essa memória dele viva através da arte. Ele respirava arte, vivia arte; [essa] seria a melhor forma de falar tudo que a gente queria falar para ele”, diz a militante. “Vai ser um momento de reunir amigos, família e pessoas que se sensibilizaram com o caso, e através da arte mostrar quem ele era. Isso é o que a gente quer: que conheçam como ele era importante para a cultura de rua”, afirma.
Com mensagens de luto, de revolta e questionamentos sobre a falta de visibilidade sobre o caso, a morte de Japa teve grande repercussão nas redes sociais. As organizações levantam ainda a questão racial, uma vez que o poeta era um jovem negro.
“A gente visualiza [isso] principalmente pela questão estrutural do racismo, que infelizmente faz com que pessoas negras acabem sofrendo algum tipo de violência muito mais que pessoas brancas. A gente sabe que estatisticamente 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros, então essas questões que estruturam a sociedade infelizmente interferem na vida da população negra”, comenta Tuca Duarte.
Ela, que também é pesquisadora da área de Serviço Social explica que isso não significa dizer que o que ocorreu foi um rapaz matando outro diretamente por conta do racismo; mas que o fato suscita a reflexão sobre o que leva tantos jovens negros a morrerem precocemente. “E aí entra a própria reflexão sobre essas questões do cuidado, da mobilização, de como isso foi feito e do que poderia ter sido feito, porque foram duas pessoas brigando, uma negra esfaqueada, numa rua em que a maioria das pessoas que frequentam fazem parte da branquitude pernambucana”, ressalta.
Neste contexto, diz, a questão racial é trazida para que se pense mais sobre a segurança da população negra em Pernambuco. “A gente sabe que de fato algumas pessoas ajudaram, mas vimos muitos comentários maldosos sobre ocorrido, como falando que [o assassinato] acabou com a noite deles. É muito cruel e mostra uma face do racismo, de como a morte de um jovem negro não gera comoção e é vista como algo que estava atrapalhando.”
O crime
Andreyvson foi assassinado a golpes de faca na Rua Mamede Simões. De acordo com o advogado criminalista Daniel Gaspar, que é um dos juristas que acompanha a família de Andreyvson, a vítima estava na mesma mesa que o suspeito, no bar Bestafera, quando houve uma discussão entre os dois por conta do valor da conta.
“Os dois se estranharam, entraram em luta corporal e foram apaziguados por amigos que estavam lá. O suspeito pegou as coisas em cima da mesa, olhou para Japa e disse: ‘tu quer ser furado’, sai e volta correndo. O Japa estava sentado na cadeira, quando o suspeito desferiu os golpes de faca na barriga do Japa, e corre imediatamente, fugindo do local. Nisso, o Japa levanta, tenta correr atrás dele e não consegue alcançar, volta em direção ao Bar Frontal, quando percebem o sangramento nele”, relata o advogado, que também estava presente na cena do crime.
“Nisso, colocam ele sentado, a rua toda começa a se mobilizar, um morador atira uma toalha já molhada para estancar o sangramento, várias pessoas começam a ligar para o SAMU e a Polícia. Aparece um carro que entra na via, as pessoas colocam Japa dentro do veículo e o levam ao Hospital da Restauração [no bairro do Derby, área central do Recife], onde ele veio a falecer. Isso levou em torno de 5 minutos, mas ele já chega no hospital muito debilitado. Ele estava falecendo ali mesmo. Deu mais uns 10 minutos para a Polícia chegar e recolher informações”, descreve.
A Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) informou à reportagem que a ocorrência de homicídio doloso consumado foi registrada pela Equipe de Força Tarefa de Homicídios da Capital. “As investigações foram iniciadas e seguem até elucidação do crime. O caso segue em investigação pela 1a DPH/DHPP”, informou em nota.
Falando pelos familiares, Daniel Gaspar diz que parentes e amigos de Japa receberam tudo “como uma grande avalanche”. “Ninguém esperava que uma pessoa que falava tanto sobre a rua, sobre amor, sobre a beleza da vida e suas contradições a partir da poesia pudesse ter um fim tão trágico e tão breve, e por um motivo completamente fútil, banal. Dessa forma estamos empenhados para garantir que haja uma denúncia condizente com o que aconteceu naquele dia”, garante o advogado.
Próximos passos
Ele explica que uma dupla de advogados acompanha as diligências da PCPE, e que neste momento sua atuação é para auxiliar “a autoridade policial na produção do relatório” no sentido de garantir uma denúncia robusta. Os advogados também trabalham para conseguir que o delegado peça a prisão temporária do suspeito.
"Juntamente com a Polícia Civil, conseguimos enumerar as testemunhas que estavam presentes de fato em toda movimentação, e nos dias 10 e 11 elas foram ouvidas. A gente também conseguiu indicar quais eram os locais que tinham câmeras de segurança”, revela. Eles seguem no aguardo pelo laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) que vai apontar a causa mortis.
Segundo o advogado, o inquérito deverá ser concluído até o dia 20 de janeiro. Depois disso, o laudo será encaminhado ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que vai decidir se oferece denúncia ou requere novas diligências. Caso a denúncia seja oferecida, os advogados servirão como assistentes de acusação - ou seja, participarão da acusação junto à promotoria defendendo os interesses da família durante a fase processual.
“Faremos parte das audiências, sendo ouvidos como parte independente, e, a depender de eventuais discordâncias entre família e promotoria, a gente tem condições de se expressar em nome da família”, explica. Por se tratar de crime contra a vida, o caso irá a júri.
Edição: Vanessa Gonzaga