Aracy ajudou a salvar dezenas de judeus das mãos de Hitler, na Alemanha nazista
Uma minissérie exibida recentemente na TV aberta apresentou aos brasileiros e brasileiras uma personagem importante, porém quase desconhecida em nossa história: Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, a intelectual que ajudou a salvar dezenas de judeus das mãos de Hitler, na Alemanha nazista da década de 1930. Funcionária do consulado brasileiro em Hamburgo, nossa versão nacional de Oskar Schindler arriscou a vida ao desobedecer normas e conceder vistos para o Brasil a judeus que tentavam fugir da prisão e morte nos campos de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial.
Nossa heroína nasceu em Rio Negro, Paraná, em 1908, filha de mãe alemã e pai brasileiro. Em 1934, depois de se divorciar, decidiu se mudar com o filho de cinco anos para a Alemanha para fugir do preconceito que as mulheres separadas sofriam no Brasil. Foi morar com uma tia em Hamburgo e, como era fluente em alemão, francês e inglês, passou a chefiar a Seção de Passaportes do consulado brasileiro naquela cidade no ano de 1936, quando Hitler já estava no poder.
Como o governo Vargas, àquela altura, mantinha relações comerciais e diplomáticas com a Alemanha, em 1937 foi editada a Circular Secreta 1127, documento que restringia a entrada de judeus no Brasil. A historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, autora do livro Cidadão do Mundo – o Brasil Diante do Holocausto e dos Judeus Refugiados do Nazifascismo, conta que 99% dos diplomatas seguiram rigorosamente as ordens do Itamaraty. Aracy estava entre as exceções.
Não se sabe ao certo como ela conseguiu continuar emitindo os vistos sem ser descoberta. A principal hipótese é que omitia o “J” em vermelho, que ajudava a identificar os judeus no passaporte. A sua disposição para salvar pessoas era tanta que chegou a transportá-las no seu carro, se aproveitando dos privilégios concedidos aos diplomatas, que não passavam por revistas.
A luta de Aracy ainda ganhou um aliado de peso: o escritor João Guimarães Rosa, seu futuro marido, que assumiu a função de cônsul-adjunto em 1937. Juntos, continuaram emitindo vistos até 1942, quando foram obrigados a deixar a Alemanha, depois que o Brasil passou a apoiar os aliados na guerra contra o nazismo.
Aracy também enfrentou a ditadura no Brasil. Em 1968, escondeu em seu apartamento o cantor Geraldo Vandré, perseguido pelos militares. Quando foi questionada durante uma entrevista sobre o motivo que a levou a se arriscar tanto para salvar pessoas estranhas, respondeu simplesmente: “porque era justo.”
Nesse ano em que nos preparamos para enfrentar e derrotar o fascismo que se instalou no Brasil, encarnado na figura nefasta do presidente Jair Bolsonaro, nada mais apropriado que lembrar a luta antifascista de Aracy e os horrores que essa ideologia perversa e excludente é capaz de perpetrar.
Assim como ocorreu na Alemanha nazista, vimos o “gabinete do ódio” de Bolsonaro sabotar o conhecimento científico para manter o povo na ignorância, atacar a cultura, disseminar informações falsas, propagar discursos violentos contra negros, mulheres, índios e LGBT+, estimular a destruição do meio ambiente, sem falar no boicote às medidas de prevenção e combate à covid, aí incluída a vacinação.
Neste ano, temos uma chance que corrigir o grave equívoco que conduziu essas hordas de pessoas ignorantes e perversas ao poder no Brasil, cujas terríveis consequências ainda nem podemos calcular. Como Aracy, vamos lutar porque é justo, porque não aceitamos um mundo excludente, onde o preconceito, a discriminação e a violência sejam vistos como coisas normais e adotados como instrumentos do Estado para perseguir seus adversários.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga