RELIGÃO

Vozes Populares | Intolerância religiosa ou racismo religioso?

Após quase 15 anos instituído o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa, ataques de ódio seguem uma realidade

Ouça o áudio:

Mãe Jaciara ao lado do busto feito em homenagem à Mãe Gilda em Itapuã (BA) - Foto: Arquivo/Mãe Jaciara
A dor é a mesma, mas falar de 'racismo religioso' é muito mais importante do que 'intolerância'

O debate do direito à fé ainda se faz muito necessário: o que tem sido visto historicamente é uma série de ataques, casos de violência e intolerância em que o alvo prioritário são as religiões não cristãs, sobretudo as de matriz africana. Por isso, até mesmo o termo "intolerância religiosa" é posto em pauta. Muitos movimentos optam pelo termo "racismo religioso" para evidenciar melhor o peso estrutural da questão.

Este ano completa 15 anos que foi instituído o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, através de uma lei sancionada pelo ex-presidente Lula. A lei foi em homenagem a uma religiosa morta por ataques de ódio e agressões há quase 22 anos.

A ialorixá Gildásia dos Santos, que ficou conhecida como Mãe Gilda de Ogum, é fundadora do Axé Abassá de Ogum, no município de Itapuã, na Bahia. Em 2000, a religiosa sofreu ataques racistas dentro do terreiro, e o trauma contribuiu para os problemas cardíacos que a levaram à morte. 

Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, Mãe Jaciara, filha biológica de Mãe Gilda e atual ialorixá do Axé Abassá de Ogum, comenta que a data ainda representa muita dor para ela. A religiosa relembra o acontecimento. "Outro segmento religioso fundamentalista invade o terreiro, bate com a Bíblia na cabeça dela e a Igreja Universal do Reino de Deus usa indevidamente a imagem dela com uma tarja preta no rosto", conta.

Esse não era o primeiro ataque de ódio e nem o último. Mãe Jaciara comenta que, mesmo depois de morte, a imagem de sua mãe ainda é desrespeitada. "Durante a pandemia, o busto dela foi violado duas vezes", enfatiza. 


O busto foi feito em homenagem à Mãe Gilda em 2014, mas já passou por vandalismo repetidas vezes / Foto: Mãe Jaciara/ Arquivo Pessoal

Para ela, a data não é motivo para celebrar, mas a homenagem serve para fazer com que as lutas pelas políticas públicas antirracistas sejam mais fortes. 

Mais de uma década depois de instituída a data, a violência e o cerceamento da liberdade religiosa seguem presentes. No primeiro dia de 2022, por exemplo, o Terreiro das Salinas, em Pernambuco, foi incendiado, tendo suas atividades impedidas. Para tratar de casos como esse, diversos movimentos optam pelo termo “racismo religioso”, visto que os alvos dessa violência são em sua maioria os de matrizes africana.

"Para mim, a dor é a mesma. Mas eu trago uma frase da educadora Makota Valdina, que dizia 'eu não quero que me tolere, eu quero que me respeite'. Falar de um racismo religioso é muito mais importante do que intolerância à religião" , defende a ialorixá. 

Leia aqui: Terreiro é incendiado no litoral sul de Pernambuco: "Querem apagar nossa história"

Como mudar esse cenário?

Mãe Jaciara termina falando que o Estado poderia ocupar o papel de garantir a liberdade religiosa, mas que isso não acontece na prática. "Pela minha experiência no estado da Bahia, muitas vezes o próprio Estado é que está cometendo a violência". As redes formadas pelas lideranças religiosas têm sido uma maneira de se fortalecerem. Atualmente, a religiosa compõe o coletivo Ya Akobiode: mulheres que transformam. 

Por fim, ela deposita no voto uma poderosa ferramenta para mudar esse cenário. "Temos que colocar pessoas no poder com a sensibilidade de não levar para os espaços de trabalho a sua religiosidade, mas sim ética e respeito", finaliza. 

Para ouvir o programete na íntegra, ouça o áudio anexado no início da matéria. O Vozes Populares é um programete semanal gravado com média de 5 minutos de duração e pauta e traz as vozes dos movimentos, coletivos e organizações populares. Confira outras edições em nosso site. 

Edição: Vanessa Gonzaga