Pernambuco

Coluna

O Brasil nos odeia

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Protesto em Recife pelo crime brutal que vitimou Moïse Kabagambe, organizado pelo Levante Popular da Juventude e pelo MST
Protesto em Recife pelo crime brutal que vitimou Moïse Kabagambe, organizado pelo Levante Popular da Juventude e pelo MST - MST
Chega de ser a carne mais barata do mercado! Justiça por Moïse Kabagambe!

Existe um ódio nesse país que é construído historicamente contra pessoas negras. Fomos o último país a abolir a escravidão no mundo; exportamos a ideia de que aqui existia uma democracia racial enquanto usávamos da miscigenação como política pública de branqueamento e apagamento dos negros brasileiros; chegamos a ter um campo de concentração integralista na década de 1930 com cerca de 50 crianças negras que ficava no interior de São Paulo; tivemos uma histórica guerra contra a política de cotas que foi na época perseguida e contestada inclusive por pessoas que se colocavam como defensoras dos direitos humanos. 

Nossa existência nesse país não é tolerada, por isso o genocídio que acontece por aqui vai para além do físico. Eles tentam nos matar socialmente, não querem assinar nossas carteiras de trabalho, não nos reconhecem pelos diplomas que conquistamos e existe um verdadeiro boicote ao reconhecimento de nossa cidadania. O Brasil não ama os africanos e nem seus descendentes, nunca fomos bem-vindos, mas mesmo assim nós construímos esse país. É impossível falar de identidade brasileira e não considerar a negritude. Eles amam quando servimos como entretenimento, quando dançamos, cantamos e praticamos esportes mas nos odeiam quando nós reivindicamos a nossa humanidade. 

Moïse Kabagambe era um jovem negro congolês de 24 anos, que fugiu da guerra civil que acontece há anos em seu país. Um refugiado que fugia da morte, da guerra e da violência. Infelizmente, ele chegou num país que mata um jovem negro a cada 23 minutos, que tem mais de 60 mil assassinatos todos os anos, segundo o Mapa da Violência. Um país em guerra constante contra os periféricos e negros. 

Moïse lutou pela vida até o seu último segundo. Ele foi cobrar pelos seus direitos trabalhistas, lutou pelo seu salário digno, mas foi vítima da lógica miliciana que impera no Brasil. Quando olhamos um vídeo em que se juntam cinco pessoas para bater em um jovem por 15 minutos, à luz do dia, em uma praia nobre do Rio de Janeiro. Essa ação aponta o quanto eles estavam convictos que ninguém faria nada pela vida do Moïse. Certos de que tinham direito sobre o corpo dele, que poderiam violentá-lo, calar a boca de um negro que não sabia o seu lugar. 

A mãe de Moïse afirmou o seguinte: “Por que eles mataram o meu filho? Moïse tinha todos os amigos brasileiros. Aí vêm os brasileiros e matam o meu filho. […] Por quê? Por que ele era pretinho? Negro? Eles mataram o meu filho porque ele era negro, porque era africano”. 

Precisamos nos questionar de onde vem esse ódio. Será que é somente xenofobia? Não é normal ver imigrantes de outros países e origens serem assassinados dessa forma. Essa seletividade de como os estrangeiros no Brasil são tratados não são somente questões de origem cultural mas passa também pelas relações raciais. 

O que aconteceu com Moïse se chama xeno-racismo. O conceito criado pelo Institute of Race Relations de Londres, explica que ele se dá quando a cor de pele do imigrante exerce influência sobre o tratamento recebido por pessoas de origem africana, caribenha ou andina. A xenofobia e o racismo desse caso nos faz questionar qual o lugar dos imigrantes africanos em nossas cidades? Quais os cargos ocupados por negros estrangeiros em nosso país? É preciso uma política robusta e proativa de acompanhamento dessas pessoas. O Brasil tem uma responsabilidade enorme de acolher gente que está fugindo da guerra e de garantir o direito à vida, ao trabalho digno, à segurança alimentar. 

Por esse motivo inclusive protocolamos na Câmara Municipal do Recife o PLO 397/2021, que cria o Dia do Imigrante Africano, o intuito é colocar na discussão da cidade a condição dos imigrantes africanos que também constroem as nossas cidades mas continuam desvalorizados e invisibilizados. 

Por isso não é possível mais se calar diante de nossos corpos que tombam, sejam dentro de casa por balas perdidas, sejam em nossas crianças indo para as escolas, nos nossos adolescentes em uma rua à noite, ou nos imigrantes que tentam sobreviver a um país tão desigual como o Brasil. O povo negro tem sido exterminado de diversas maneiras nesse país e por isso não nos cansaremos de pedir por justiça, de exigir o fim do genocídio e a plena liberdade do povo negro, e é por isso que movimento negro continua a gritar que o povo negro quer viver, antes, durante e depois da pandemia. Chega de ser a carne mais barata do mercado!

Justiça por Moïse Kabagambe!

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga