Pernambuco

Coluna

A ferida nojenta do racismo

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Levante moise
"Também na Cidade Maravilhosa, Moïse apanhou até a morte depois de cobrar salário do patrão" - Matheus Alves/Levante Popular da Juventude
Em comum, a certeza de que estariam vivos se não fossem negros

Um grupo de encapuzados entra dentro de uma casa e, após acertar o pai, atira e mata uma criança de nove anos de idade que se esconde embaixo da cama.

Um grupo de encapuzados entra dentro de uma casa, atira e mata uma criança de nove anos de idade que se esconde embaixo da cama.

Um grupo mata uma criança embaixo de uma cama.

O assassinato da criança comove aqui e ali. O comércio não parou. Os carros rodam de um lado para o outro. Os jornais circulam e as redes sociais borbulham com alguma micropolêmica instantânea sobre uma subcelebridade que fez bobagem no programa da moda.

Um dia foi Jonatas, aos nove anos, morto a bala embaixo da cama em que se escondia na Mata Sul pernambucana.

No outro foi Yago, que vendia confeitos e foi confundido com bandido, em Niterói.

Antes dele Durval perdeu a vida quando chegava em casa. O assassino, sargento da marinha, temia que a vítima o assaltasse no Rio de Janeiro. Também na Cidade Maravilhosa, Moïse apanhou até a morte depois de cobrar salário do patrão. Japa foi esfaqueado numa rua que pra muita gente é sinônimo de alegria.

Há um ano, Wesley saiu prum mela-mela em Fortaleza e não voltou pra casa. Em 2020, João Alberto foi espancado e morto dentro de uma loja do Carrefour, em Porto Alegre. Miguel, aos 5 anos, foi abandonado e caiu do nono andar de um dos prédios mais luxuosos do Recife.

Em comum a cor da pele. Em comum, a interrupção da vida. Em comum, a certeza de que estariam vivos se não fossem negros. O último Mapa da Violência mostra que uma pessoa negra tem 2,6 vezes mais chances de ser assassinada que uma pessoa branca. O IBGE informa que há o dobro de jovens negros desempregados em relação a brancos. A mesma instituição diz que 70% de quem não tem moradia digna é preto ou pardo. Não é coincidência, não é por acaso.

No Brasil, gente branca não somos confundidos com bandido. Quando a gente segura um guarda chuva, é guarda chuva o que a PM vê. Gente branca não levamos mata leão de segurança de supermercado. Gente branca não imaginamos a possibilidade de um filho nosso ser assassinado a bala por um grupo de encapuzados que entra em nossa casa e o encontra escondido embaixo da cama. Com a gente a polícia é mais simpática, o baculejo é cordial. O segurança da loja nos dá ‘bom dia’ e pendenga com o patrão a gente resolve na justiça. 

O racismo estrutural não é uma característica de um ou outro indivíduo. Assassinato, falta de acesso à justiça, às escolas, às políticas de saúde e moradia também não são coincidências que, por acaso, atingem mais as pessoas de pele retinta. A chaga do racismo, sequela da mal tratada doença da escravidão. Úlcera que habita a sociedade inteira e cada uma de nós. Que dói em cada pessoa de um jeito diferente. E que aparentemente precisa doer mais.

Reconhecer a existência dessa ferida feia, profunda e fedorenta é imprescindível para seu tratamento. Sem que ela sare, jamais haverá justiça. E jamais haverá paz.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga