A Câmara Municipal de Olinda aprovou o projeto de lei 6.193/2021, que proíbe homenagens a escravocratas em equipamentos públicos do município. De autoria do vereador Vinícius Castello (PT), a lei foi aprovada por unanimidade entre seus pares e sancionada ainda em dezembro pelo prefeito Lupércio Nascimento (SD). Já em vigor, ela permite a renomeação de ruas, avenidas e praças, além da realocação de bustos para museus. Mas esta etapa costuma ser a mais difícil.
De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), para reportagem do portal UOL, Olinda é a primeira cidade do Brasil a aprovar uma lei do tipo. Apesar de aprovado por unanimidade, o PL enfrentou resistência. “Não foi aceito de imediato. Precisei articular com outros parlamentares para conseguir aprovar nas comissões e um diálogo posterior com a gestão para que fosse sancionado”, lembra o vereador. O processo durou três meses, entre a apresentação do PL, em setembro; a aprovação em plenário, no início de novembro; e a sanção do prefeito, em 18 de dezembro.
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A missão de Vinícius Castello (PT) agora é colocar a lei em prática. “Estamos propondo adequações no orçamento para conseguir efetivá-la”, diz ele. Num levantamento realizado por seu gabinete, Olinda tem mais de 10 homenagens a escravocratas. O vereador petista pretende encaminhar a alteração desses nomes. O estudo inclui as escolas municipais Princesa Isabel (em Jardim Brasil 2), General Mascarenhas de Moraes (na Cohab) e a Capitão Temudo (em Ouro Preto). Dois logradouros conhecidos são a avenida Coronel João Ribeiro, no Bairro Novo; e a rua Bernardo Vieira de Melo, no Carmo.
Este último também recebeu a homenagem com o nome do prédio da Câmara de vereadores. “Bernardo Vieira de Melo foi um escravocrata que perseguiu diversos quilombos, inclusive o dos Palmares. Mas infelizmente recebe essa homenagem na casa do povo”, lamenta Vinícius, que considera a homenagem no mínimo contraditória. “Importante refletir sobre quem a gente quer homenagear e se isso é adequado ao que entendemos como democracia”, pontua ele. A lei se restringe a repartições públicas da administração municipal direta e indireta, não interferindo em homenagens dos poderes públicos estadual ou federal e nem de estabelecimentos privados.
Sobre as críticas de que esse tipo de alteração seria uma forma de “apagamento histórico”, o vereador discorda. “O Brasil sofre de um mal entendimento sobre o que é a história do país. Somos educados para acreditar que a princesa Isabel é uma salvadora do povo preto, ao mesmo tempo silenciamos as grandes personagens que lutaram por uma outra sociedade”, diz ele. “Não estamos apagando a história. Nós continuamos reconhecendo esses personagens, só não em forma de homenagem, mas de repulsa, um sentimento do que não devemos ser e nem fazer”, pontua.
Mas alterar homenagens antigas é um desafio maior que aprovar a lei. Um exemplo é que no estado de Pernambuco vigora, desde 2019 uma lei que proíbe novas homenagens a torturadores e políticos-militares do período da ditadura. Homenagens já realizadas, com nomes de escolas, avenidas e mesmo bustos em vias públicas, só podem ser alteradas por meio de requerimentos (solicitações) aprovadas pela Assembleia Legislativa (Alepe) ou Câmaras de vereadores, podendo ser acatadas ou não pelo Governo do Estado ou prefeitura.
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O vereador do Recife, Ivan Moraes (PSOL), já propôs um requerimento, em 2020, pedindo a remoção de um busto do ditador marechal Castelo Branco que fica na avenida Caxangá, mas os vereadores rejeitaram. Afora homenagens de outros entes, a exemplo do Exército Brasileiro, que está construindo na avenida Rosa e Silva um edifício também em homenagem a Castelo Branco.
Vinicius Castello (PT) diz que a insistência em homenagear essas pessoas e a resistência em retirar homenagens têm a mesma raiz. “Quando a gente percebe quem são as pessoas que ocupam espaços políticos, fica mais fácil entender. Muitas delas ocupam espaços de poder por uma herança familiar”, diz ele, que aponta que as heranças, financeiras e políticas, estão ligadas a escravocratas e autocratas. “A burguesia, a elite, entende que quando nós questionamos essas homenagens, o que está em questão é essa herança. Por isso defendem que tudo continue como está”, conclui.
Edição: Vanessa Gonzaga