Pernambuco

Coluna

Mataram Jonatas em nome da manutenção da perversa estrutura agrária pernambucana

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Capangas invadiram uma casa no Engenho Roncadorzinho e executaram uma criança de 9 anos - Brasil de Fato
Outros tantos Jonatas podem perder a vida

Era quinta-feira, 10 de fevereiro. Capangas provavelmente da massa falida da Usina Santo André invadiram uma casa no Engenho Roncadorzinho e executaram uma criança de 9 anos. O crime ocorreu no município de Barreiros, Mata Sul de Pernambuco, uma região que por quase 500 anos tem sua economia baseada na produção de cana de açúcar, com uma herança colonial profunda, um sistema que se baseou na monocultura, trabalho escravo e grande propriedade de terra.

Esse crime bárbaro expõe um problema que se arrasta há muitos anos, não foi a causa do conflito, e sim sua consequência. Esse conflito é decorrente de um histórico processo de controle das terras por grupos de usineiros e de modelo de produção. 

Somente um amplo processo de reforma agrária poderá substituir a monocultura da cana pela diversificação da produção agrícola, baseado na produção de alimentos saudáveis. No entanto, o que estamos vivenciando hoje na Zona da Mata Sul, é um outro tipo de mudança repentina do modelo agrícola. Já são visíveis as mudanças, normalmente toda essa região sempre foi tomada pela cana-de-açúcar.  Hoje, ao passar pela pista desde Catende até Barreiros, o visual da geografia alterou  substancialmente. Onde os plantios de cana se perdiam de vista, agora a vista só enxerga morrões, estaca e cerca com arames farpados com criações nelore de engorda. 

O ponto de vista do MST é que os conflitos que estão ocorrendo na região de Barreiros, tem o mesmo caráter do que está ocorrendo em toda zona da mata Pernambucana, Paraibana e Alagoana, já que o modelo é o mesmo e os usineiros são das mesmas famílias. 

Hoje temos conflitos em usinas falidas: Na Mata Norte, a usina maravilha e  Cruangi; na região metropolitana o conflito na usina Jaboatão; na mata Sul, a Usina Liberdade, no Cabo de Sando Agostinho, a Usina  Massauassu, em Escada, a Usina Barão em Amaraji a Usina Estrelinha, em Gameleira (um dos grupos mais violentos); a Usina Frei Caneca, em Jaqueira e a Usina Serro Azul em Palmares. Além é claro da Usina Santo André, onde ocorreu esse crime bárbaro.

Causa dos conflitos

Podemos citar pelo menos três causas que estão levando há vários conflitos simultâneos nesta região: A primeira é a falência quase total do setor sucroalcooleiro, resultante da baixa produtividade e do custo alto.

A segunda é a total ausência do governo federal, que, além de ser politica e ideologicamente contrário à reforma agrária, tem, na bancada da bala e do boi um dos principais grupos de sustentação política, que tem sinalizado e incentivado o desmatamento, as queimadas, a mineração ilegal em áreas de reserva indígenas e a violência contra os camponeses. 

Uma terceira causa está na forma como está se dando esta substituição da monocultura da cana pela monocultura extensiva para a criação de boi. Ainda é prematuro avaliar o que é pior para a população desta região. Para implantar a produção de bovinos é necessário “limpar” as áreas para dar lugar ao “pé de boi”.

Como funcionam os leilões

Neste processo de falência das usinas e de leilões das terras das massas falidas, se constituiu uma cumplicidade fraudulenta, violenta e criminosa. Uma verdadeira quadrilha de fraudadores de leilões e compras de terras das massas falidas. Estes diferentes sujeitos operam com objetivo de favorecer  empresários e grupos econômicos para  adquirir compra de terras em leilões por um valores irrisórios, chegando até a valores simbólicos de 10%  do valor praticado no mercado local. 

Este processo está ocorrendo em todas as usinas falidas. O primeiro passo, depois da declaração da falência, é o Juiz responsável pela causa indicar um síndico para representar a massa falida. Por ordem de prioridade jurídica dos interessados, a Justiça do Trabalho tem preferência em função das causas trabalhistas com milhares de trabalhadores. Então, ela promove leilões das terras dos engenhos das massas falidas. 

Mas a partir deste momento inicia a cumplicidade e articulação entre os sujeitos, alguns juízes, nem todos; alguns agem de boa fé, aplicando a lei; outros participam da articulação. Os leiloeiros articulam com empresários interessados nas terras, muitas vezes os próprios donos participam indiretamente arrematando terras. Os avaliadores propõem em notas técnicas valores já  bem abaixo do mercado e a Justiça se compromete em entregar as terras limpas sem conflitos para os compradores.

De posse do novo título de propriedade, o novo proprietário requer da Justiça a reintegração de posse contra os moradores e a ordem de despejo. Neste caso entra um outro sujeito, os capangas, que assumem a tarefa de expulsar as famílias moradoras, para dar lugar às pastagens para os bois. No caso de Roncadorzinho, o líder da resistência era o pai de Jonatas, que morreu porque os moradores em sua maioria não aceitaram a condição imposta pelos “limpa terras”. Quando não conseguem via aliciamento, cooptação e ameaças, usam a força das armas.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2020 e 2021, ao menos 58 denúncias de ameaça de morte ocorreram devido a conflitos no campo em Pernambuco. Desse total, 41 ocorreram na Zona da Mata Sul, onde fica o engenho onde Jonatas foi assassinado. Hoje não temos dúvida nenhuma: ou o Governo do Estado suspende os leilões, ou os conflitos tendem aumentar significativamente e outros tantos Jonatas podem perder a vida. Seguimos lutando pelo direito a viver e para viver com dignidade.

 Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga