No início do mês de março o governador Paulo Câmara assinou um decreto criando a Comissão Estadual de Acompanhamento de Conflitos Agrários (CEACA), com o objetivo de mediar conflitos no campo e reduzir os crescentes índices de violência em disputas por terra. O grupo foi estabelecido três semanas após dois homens e um adolescente invadirem a casa de um líder comunitário rural e assassinarem seu filho de 9 anos, no município de Barreiros, zona da mata sul do estado.
A comissão será composta por 18 membros titulares e a mesma quantidade de suplentes. Dos quais apenas quatro são representantes da sociedade civil, indicados por organizações que atuam em conflitos agrários no estado.
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São seis membros indicados pelo Governo de Pernambuco, representando as secretarias de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Desenvolvimento Agrário (SDA), Defesa Social (SDS), Planejamento e Gestão (Seplag), Procuradoria Geral do Estado (PGE), do Instituto de Terras e Reforma Agrária (Iterpe).
Há quatro membros de outros órgãos de nível estadual, indicados pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Alepe), Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Defensoria Pública (DPE) e Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE).
Outros quatro representantes de órgãos federais, que são a Defensoria Pública da União, a superintendência regional do Incra em Pernambuco, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e a Comissão de Direitos Humanos do Senado.
No mesmo decreto o governador destina R$ 2 milhões para o Programa Estadual de Prevenção de Conflitos Agrários e Coletivos, que fora anunciado em fevereiro, mas ainda não havia sido regulamentado. Tanto a CEACA como o programa de prevenção ficam sob responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), encabeçada pelo secretário Eduardo Figueiredo.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Sejudh, perguntando sobre prioridades da CEACA, uso dos recursos do programa e pedindo avaliação da secretaria sobre o crescimento dos conflitos no campo nos últimos anos. Até o fechamento desta matéria, a Sejudh não respondeu a reportagem.
Em suas redes sociais, Paulo Câmara afirma que “o grupo vai trabalhar as demandas de forma individualizada e discutir soluções para as questões. (...) Essa é uma pauta que conta com o empenho de várias secretarias, assegurando proteção e a garantia dos direitos às pessoas que necessitam”, garantiu. Mas o que Pernambuco tem visto é o aumento no número de assassinatos e outras formas de ataques contra lideranças camponesas e comunidades rurais no estado.
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Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o agricultor Fernando Fonseca afirma ter esperança na comissão. “Esse grupo é um pedido antigo dos movimentos rurais. Temos visto muitas perseguições, mortes de trabalhadores e o estado precisa intervir, investigar irregularidade de terras e evitar novas mortes”, diz ele, que é natural de Aliança, na zona da mata norte do estado, e foi indicado pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) como um dos representantes da sociedade civil na comissão.
Ele lembra que nos últimos anos, devido a outros assassinatos do tipo, o Governo do Estado criou grupos de trabalho “informais” para tratar do tema, mas nunca deram resultado efetivo. “Nunca foi oficial, todas informais. Só se envolviam na situação depois que o problema já tinha acontecido. Não queremos mais isso”, sentencia o agricultor.
Fonseca é da direção nacional do MST em Pernambuco. Sobre a comissão que ele agora integra, o dirigente resume assim: “tem que olhar para os locais onde já tem ameaças, tem que punir os culpados [pela violência] e fazer a distribuição de terras para as famílias que precisam”. O grupo vai atuar na identificação de áreas de conflitos por terras tanto em áreas urbanas como rurais.
Fernando Fonseca espera que os R$2 milhões do programa sejam usados para a contratação de equipes que acompanhem esses conflitos “que o governo não tem conseguido intermediar e nem resolver os impasses”, pontua. “O estado precisa intervir, dar garantia para nosso povo morar, sobreviver e produzir alimentos”, diz ele. “E a polícia precisa acompanhar os conflitos”, completa. Fonseca também espera que o governo utilize o Iterpe para desapropriar terras inutilizadas do próprio estado, usando-as para alocar famílias da reforma agrária.
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O dirigente do MST denuncia que a especulação imobiliária e a grilagem de terras públicas tem sido uma constante na Zona da Mata. “Muitas vezes os cartórios não têm registros das áreas, empresários chegam dizendo que são suas”, pontua. Outro problema, diz ele, é o constante uso de pistoleiros por empresários da monocultura de cana de açúcar. “Eles são muito fortes na região, produzindo açúcar e etanol. Contratam lotes das usinas falidas, às vezes grilam terras e quase sempre fazem ameaças explícitas às famílias. Temos tido muitas ameaças por parte de pistoleiros”, conta Fonseca.
O camponês diz que tem sido rotina tais ameaças armadas contra acampamento e mesmo assentamentos rurais em Pernambuco, especialmente em áreas de massas falidas de usinas de cana. O lucro posterior, com produção de etanol e açúcar, vale a contratação de assassinos. “Para o latifúndio é vantajoso ameaçar, expulsar e até matar, desde que consigam arrendar terras das usinas falidas”, diz ele.
A sequência de crimes é financiada por famílias poderosas, de sobrenomes famosos e com grande influência política e econômica no estado. Apesar de desconfiado, Fernando Fonseca tem esperança num “freio”. “Eu espero que sim. Mas sei que existem muito apadrinhamento, relações deles com pessoas que estão na estrutura de estado, juízes... tem gente que não se mexe justamente porque faz parte desse grupo que nos ameaça”, diz ele. Ele espera que a comissão (CEACA) envolva nas conversas os delegados de polícia e os juízes das comarcas das regiões onde há conflitos.
Edição: Vanessa Gonzaga