A guerra na Ucrânia tem ocupado o centro dos noticiários nas últimas semanas, como não poderia deixar de ser. No entanto, a cobertura da “grande mídia” ocidental manipula e distorce fatos para construir narrativas totalmente atreladas aos interesses estadunidenses.
Minuto a minuto: Saiba as últimas notícias da Ucrânia
A mídia tenta demonizar Putin e construir a ideia de uma reação “pacificadora e civilizatória” do ocidente, liderada pelos EUA. Justo o Ocidente, responsável por acabar com milhares de vidas apenas nas últimas décadas, especialmente de africanos e de árabes, causando gravíssimas crises humanitárias e destruindo países inteiros como Iraque, Síria, Líbia e Afeganistão.
A hipocrisia da mídia é importante para os EUA, porque a esse país interessa manter a Rússia isolada e desacreditada. O objetivo fundamental é barrar a expansão comercial dos asiáticos, protegendo a hegemonia estadunidense. E isso tem tudo a ver com a tragédia que ocorre na Ucrânia. Vejamos as razões.
O século XXI trouxe ao império norte americano uma incomoda novidade: a Ásia ergue-se sob a liderança de duas potencias militares e econômicas. A Rússia, que voltou a se industrializar e avançou na tecnologia militar, tornando-se o país com as armas mais modernas do mundo. E a China, que é simplesmente a nação cuja economia mais cresce e aquela à qual uma multidão de países recorre para importar e exportar matérias primas e produtos.
Essas duas potências avançam numa importante zona de influência americana: a Europa ocidental. O continente europeu é hoje dependente da economia chinesa e vinha aprofundando relações com a Rússia numa área estratégica para a balança de pagamentos dos EUA: o mercado de hidrocarbonetos - gás, petróleo, etc. O maior símbolo dessa relação era o gasoduto North Stream 2, que forneceria mais gás russo à Alemanha e que contou com oposição feroz dos EUA.
É importante para Washington promover um recuo das potências asiáticas e garantir a neutralização da Europa. A guerra fria atual dos EUA com a Rússia é pela busca do monopólio do mercado de gás natural, forçando os europeus a comprarem o seu gás, mais caro e ecologicamente mais “sujo”.
E aqui chegamos à Ucrânia, território limite entre Rússia e Europa. A última década nesse país foi bastante instável, com um golpe de estado que levou ao poder governos “pró-ocidente” e a ascensão de grupos neonazistas promotores de massacres como o de 2014, quando mataram 72 trabalhadores incendiando um sindicato. Esses grupos, que promovem atos violentos na região fronteiriça com a Rússia, contaram com o apoio dos últimos governos ucranianos, inclusive o atual, alguns chegando a serem institucionalmente incorporados à guarda nacional do país.
Não são poucas as evidências que mostram ligações de cooperação entre estadunidenses e as milícias extremistas ucranianas. Curiosamente, ano passado um projeto de resolução que foi à votação na ONU visando proibir a valorização de símbolos nazistas foi rejeitado por apenas dois países: EUA e Ucrânia.
A pressão sobre a Rússia cresceu drasticamente com a ameaça da inclusão da Ucrânia na OTAN, clube militar em expansão formado basicamente pelos europeus ocidentais e liderado pelos EUA. Estimular a Ucrânia a isso foi sem dúvida um crime contra esse país, pois sabia-se que seu ingresso era impossível, e que isso certamente custaria vidas inocentes.
No começo de 2021 o atual presidente ucraniano Zelensky intensificou ações militares na região fronteiriça com a Rússia. Ele, ridiculamente convertido agora em herói da Europa, ajudou a provocar essa guerra. Num clima já tenso, passou a cogitar a presença da OTAN e de mísseis nucleares em território ucraniano.
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Nos últimos anos muitos analistas já alertavam que os EUA estavam praticando uma política deliberada para incentivar uma escalada militar da Rússia na região. Retratar a Rússia como agressora, vingar a agressão isolando-a do jogo comercial e convertê-la em ameaça à Europa é tudo que interessa aos EUA. Eles fustigaram essa guerra abertamente.
A decisão russa pelo conflito não é um ato imperial de um “Putin sanguinário”, como retrata a mídia. É uma reação planejada à ofensiva liderada pelos EUA. Isso, no entanto, não legitima a decisão de Putin. Uma esquerda consequente deve prezar pelo princípio da soberania territorial e condenar a guerra e os custos humanitários que ela vem impondo ao povo ucraniano. Ademais, tal decisão pode revelar-se um erro estratégico, já que o objetivo russo de longo prazo era afastar a Europa do domínio EUA/OTAN e criar, com a China, uma ordem multipolar através da integração econômica euroasiática. A guerra prejudica esse objetivo.
A Europa, com o apoio total às sanções gigantescas impostas pelos EUA contra a Rússia, que afetam o mundo inteiro, e com seu discurso “russofóbico” histérico caminha para uma piora econômica e para tornar-se um protetorado estadunidense, presa militarmente à OTAN e agora recuando a profícua relação econômica com os russos. A mesma Europa que está armando grupos neonazistas na Ucrânia para estimular uma suposta resistência, numa guerra já perdida. Ela e os EUA não fazem qualquer esforço real para acabar a guerra. Pelo contrário, a estimulam.
A China, interessada num mundo sem conflitos e com a economia a todo vapor, é o próximo alvo dos EUA. Mas não será nada fácil atacá-la. A Europa já é dependente de sua produção industrial e a Rússia acaba de ser “jogada no seu colo”, já que dependerá dos chineses para sustentar-se no curto prazo. A China tem se esforçado para afastar-se da guerra e pode ser um ator chave na resolução do conflito, embora a mídia não a destaque dessa forma.
Para alguns analistas os Estados Unidos podem estar dando um tiro no pé, pois sua luta feroz contra os asiáticos têm gerado instabilidades na “área do dólar” que encorajam muitos a buscarem outros caminhos. Já há possibilidade da Arábia Saudita passar a vender petróleo à China na moeda chinesa, e não em dólar. Caso forme-se um sistema alternativo ao dólar isso pode acelerar a derrocada estadunidense, cujo poder reside, além das armas, no privilégio de ter a moeda das operações comerciais e financeiras do mundo. Esse é um cenário novo.
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Um império assustado, com bases militares espalhadas pelo planeta e na ofensiva é muito mais perigoso que a Rússia de Putin. E nesse novo cenário os EUA vigiarão uma de suas zonas de influência, nós, a América do Sul, com muito mais ímpeto.
Mais do que nunca o esforço pela integração e fortalecimento do bloco de países sul-americanos será necessário e oportunidades surgirão com a possível nova ordem que está sendo gestada.
Em meio a tudo isso, vidas estão neste momento sendo perdidas em guerras provocadas pela dinâmica de um sistema capitalista mais uma vez em crise. E não podemos perder de vista que nosso objetivo é superá-lo.
*Pedro Alcântara é doutor em ciências sociais e secretário estadual de formação política do PT em Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga