Foi ouvindo o som das alfaias e guitarras que o jornalista Almir Cunha, ainda adolescente, se apaixonou por um movimento que revolucionou a cultura no Brasil. O álbum é o “Guentando a Ôia" da banda Mundo Livre S/A, uma das bandas mais importantes do movimento manguebeat, que eclodiu nos anos 1990 em Pernambuco.
Almir relembra como o disco chegou até ele. “No ensino médio, com 16 pra 17 anos eu comecei a me interessar e ouvir. Um sobrinho meu, que é até mais velho que eu, me apresentou Mundo Livre S/A. Ele tinha uma coletânea de Mundo Livre com vários álbuns e tal e aí eu comecei a me interessar pelo manguebeat e pelas bandas, né? Mundo Livre S/A, Nação Zumbi, Banda Eddie, e comecei a consumir muito”, recorda o jornalista..
Depois disso, o gênero não saiu mais da sua vida. Almir coleciona discos que fazem parte da história cultural de Pernambuco. Como ele, outros fãs reverenciam o movimento manguebeat, que além de cultural, produziu o Manifesto Caranguejo com Cérebro como um ato contrário às crises e à pobreza existentes nas comunidades recifenses e da região metropolitana.
Poeticamente, são nessas comunidades que vivem os “homens-caranguejo” que foram influenciados a erguer suas antenas para denunciar a realidade social que os cercava.
Leia: Artigo | Josué de Castro: por que ler um dos principais estudiosos sobre a fome?
Na época, Roger De Renor, produtor cultural e criador do Som na Rural, não tinha dimensão do que estava sendo criado ali. “O movimento manguebeat, quando ele estourou, a gente não tinha a menor noção que aquilo ali era uma coisa que ia transformar, que ia ser um movimento que ia modificar o comportamento social e político no nosso estado e reverberar isso pro Brasil inteiro, pra outras capitais, outros estados que tinham, assim como Pernambuco, uma característica de apagamento em relação ao eixo Rio-São Paulo que era muito nociva pra diversidade cultural que todos esses estados do Brasil tem”, explica.
O pontapé do movimento foi o texto do manifesto escrito em 1992 pelo jornalista e vocalista do Mundo Livre S/A, Fred Zero Quatro. Na época. ele, o cantor e compositor Chico Science e o também jornalista Renato L e outras personalidades reivindicavam contra o descaso social.
Hoje, 30 anos após o Manifesto Caranguejo com Cérebro, as músicas do manguebeat continuam ecoando nos quatro cantos de Pernambuco. Elas representam a voz de indignação num cenário de violência e fome que continua bastante atual.
Leia: Patrono do Brega, cantor Reginaldo Rossi ganha estátua no centro do Recife
Hoje, Roger De Renor, circula pela RMR com a rural Willys 1969 seus alto-falantes que propagam um repertório diferenciado, fruto do trabalho de artistas como os do manguebeat, que também se mistura ao que vem sendo produzido de forma independente no estado, afirma como o movimento reverbera até hoje.
“O manguebeat deu essa visibilidade a essas pessoas que já vinham fazendo esse tipo de música e marcou esse encontro. Misturou, não só esses ritmos, mas mixou também essas vozes. O manguebeat fez isso. A gente hoje, a periferia é protagonista de outros movimentos e que tem muita voz com sua música e com seu movimento cultural”, afirma Roger.
O ritmo segue se reinventando e inspirando grupos como Academia da Berlinda e a Banda Eddie, mas continua também com seus criadores, visibilizando através da arte uma sociedade diversa e multicultural que descobriu que da lama também sai muito barulho.
Edição: Vanessa Gonzaga