Seguindo a escalada no preço dos produtos derivados do petróleo, o gás de cozinha está saindo, em média, por R$ 103 no município de Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, segundo pesquisa mais recente da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Mas, nesta sexta-feira (25), 100 moradores da comunidade de Ponte dos Carvalhos puderam comprar o botijão por menos da metade desse valor, graças à ação solidária do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo de Pernambuco e Paraíba (Sindipetro PE/PB) em parceria com a Associação de Pessoas Carentes de Pernambuco. O Sindipetro subsidiou a maior parte para que as famílias pagassem apenas R$ 50, em ato nacional contra a política de preços praticada pela Petrobras.
A venda dos botijões começou às 11h, na sede da associação, localizada na Rua Nossa Senhora de Fátima. Foram beneficiadas pessoas previamente cadastradas na ação, como José Paulo de Oliveira, de 84 anos. Nascido e criado em Ponte dos Carvalhos, o aposentado vem sofrendo com a inflação crescente no País. “Quem é que aguenta? Não é só o gás, é tudo. Ninguém pode nem viver mais. Você vai ao supermercado comprar uma mercadoria de manhã, de tarde é outro preço. A gente vive como barata, morrendo à míngua”, lamenta.
Leia também: Entenda por que o gás de cozinha e a gasolina vão continuar encarecendo no país
Leia também: Petrobras anuncia reajuste de 18% na gasolina e gás de cozinha também fica mais caro
O resultado da combinação do alto custo de vida com a baixa renda - sua aposentadoria é de apenas R$1.212 - é a imposição de escolhas difíceis ou mesmo impossíveis de se tomar. "Esse valor do gás faz falta. É uma coisa ou outra. Se for comprar um remédio, não pode comprar o gás. É pedir a Deus para não adoecer, porque se adoecer morre de fome", lamenta.
Estando ela e o marido desempregados há dois anos, Romilda Maria do Nascimento, 66, comemorou a chegada da ação na comunidade. No mês passado, o casal comprou no cartão de crédito um botijão por R$ 115. "Foi uma benção dos céus esse gás de R$ 50. Queria que permanecesse sempre assim", torceu.
Além do caráter solidário, a ação traz à luz uma questão que os petroleiros vem pautando há seis anos. Através da mobilização, articulada pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) com os treze sindicatos de petroleiros do Brasil, a categoria afirma que a atual metodologia de precificação dos combustíveis e do gás liquefeito de petróleo (GLP), implementada durante o Governo Temer, em 2016, está prejudicando a população. “Esse ato visa mostrar para a sociedade que os preços podem ser menores. O preço justo do gás, de acordo com estudos feitos pelo instituto que subsidia a FUP, estaria entre R$ 40 e R$ 50”, defendeu o diretor de Comunicação do Sindipetro, Sinésio Pontes.
Entenda o aumento do gás
O petroleiro explica que, na metodologia criticada - chamada de política de Preço e Paridade de Importação (PPI) -, os preços dos produtos da Petrobras são calculados de acordo com as variações do dólar estadunidense e do preço do barril de petróleo. “Essa composição de preço, que vê dólar, barril e os custos de importação, para nossa categoria foi vista como uma forma da Petrobras ser atrativa para sua privatização. Com o preço subsidiado [como era antes], os atores externos não teriam interesse em investir na empresa”, disse.
Segundo ele, ao nivelar o preço da gasolina ao aplicado no exterior, a PPI causou o aumento do valor dos combustíveis para os consumidores brasileiros ao longo dos anos. “Isso fez com que a Petrobras perdesse mercado, aumentasse a quantidade de importadores, o que rendeu muito lucro, mas ele só se reverte para os acionistas minoritários que estão aplicando suas ações na bolsa de Nova Iorque”, criticou.
Leia também: Entrevista | “O preço dos combustíveis hoje é uma decisão do presidente da República”
Leia também: Entrevista | “O preço dos combustíveis hoje é uma decisão do presidente da República”
Para a categoria, a estatal não deve funcionar como uma empresa que visa o lucro. “A Petrobras deve ter a função social de distribuir os derivados do petróleo com o preço baseado nos custos de produção”, defendeu Sinésio. “O custo que a empresa tem é em real. Se a empresa paga salário em real, por que vai cobrar o preço em dólar? Para nós, ela deve calcular o custo dos combustíveis que vende no preço interno, mantendo uma margem de lucro suficiente para que o trabalhador possa comprar o botijão sem se endividar muito.”
Assim como no governo de Michel Temer (MDB) a política de preços da Petrobras foi alterada, ela também poderia voltar a ser no governo atual, se assim fosse desejo do presidente Jair Bolsonaro (PL) - ou do próximo que assumir em 2023. “Hoje, Bolsonaro não tem interesse em mudar, e sim em manter a política de preço que está penalizando os trabalhadores”, concluiu Sinésio.
Apoio
O ato desta sexta-feira contou com a presença do presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Juliano Medeiros. Em visita a Pernambuco, o político endossou a mensagem dos petroleiros, afirmando que a estatal deve servir aos interesses dos brasileiros. “A Petrobrás não tem que estar preocupada em estar pagando mais dinheiro para acionistas e sócios estrangeiros. Tem que dar as condições para o povo brasileiro comprar gás a preço justo, abastecer seus carros e motos e trabalhar. Quando vocês vão ao mercado comprar, vocês pagam em dólar? Então por que tem que pagar a gasolina em dólar?”, questionou. O mandato coletivo das codeputadas estaduais Juntas (PSOL) também participou do ato
“Como o real está valendo menos que o dólar, o governo diz que está gastando muito e repassa os custos para vocês. E por que o povo brasileiro tem que pagar essa conta? Os acionistas que paguem. Os sujeitos que no fim do ano ganham milhões de reais como sócios da Petrobrás que diminuam seus lucros”, defendeu Juliano.
O movimento também teve apoio dos magistérios. O Sindicato dos Professores do Cabo de Santo Agostinho (SINPC) se somou à luta nesta manhã. A professora Lucineide Santos, uma das diretoras do SINPC, lecionou por 23 anos em Ponte dos Carvalhos, até sua aposentadoria. “Trabalhei nas escolas municipais Paulo freire, José Alberto de Lima e Reginaldo Loreto. Faço parte desta comunidade e nada melhor do que estarmos aqui dando esse apoio, em prol do preço justo do gás”, afirmou.
Leia também: Alta dos combustíveis é culpa da política de preços da Petrobras e não dos impostos
Representando o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de Pernambuco, o coordenador Cristiano Silva lembrou os vários casos de pessoas que não têm dinheiro para comprar gás e se acidentam ao usar forno a lenha ou álcool.
“O País vive uma situação de arrocho fiscal, de dificuldade de compra de alimento, de carestia, de inflação, e a gente ainda tem um governo que não é por a gente. Os Petroleiros estão fazendo hoje o que o Governo Federal não está fazendo. Trabalhar os preços da Petrobrás para agradar estrangeiro, para quem trabalha com moeda em dólar, é uma escolha política”, destacou, reforçando que o aumento do preço dos combustíveis também leva ao aumento do preço do alimento, no qual está embutido o custo do transporte.
Edição: Vanessa Gonzaga