Queremos ver nosso boné estampado em todos os lugares porque ali sabemos que há apoio à luta do povo
Em meio à falsa polêmica sobre quem pode ou não usar os símbolos do nosso movimento, é importante entendermos um ponto central: o nosso boné não pode se tornar um instrumento de auto-afirmação do sectarismo político, como um elemento exclusivo de poucos. Pelo contrário, ao longo de nossos 38 anos de história, a identidade do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) se construiu como um instrumento pedagógico utilizado na nossa luta, principalmente na formação política, no trabalho de base e nas ações da frente de massa. A raiz dessa identidade se relaciona com a educação popular, com o trabalho das pastorais e com o teatro do oprimido. É sobretudo, nossa mística.
O nosso boné tradicional faz referência à nossa bandeira. O vermelho de luta, o branco de paz, o preto de luto pelos mártires da terra e o verde da esperança, com um mapa do Brasil ao centro, onde um casal de camponeses emerge com um facão em riste, sua arma e seu instrumento de luta, ultrapassando as fronteiras do mapa demonstrando que a luta é também internacionalista. Também incorporamos outros elementos ao boné como a bandeira do arco-iris, representando a luta do nosso coletivo LGBTQIA+ Sem Terra.
Além disso, outros elementos simbólicos foram incorporados à nossa identidade Sem Terra, como o nosso hino, composto por Willy de Oliveira e letrado pelo nosso grande poeta e intelectual da classe trabalhadora Ademar Bogo. As músicas de Zé Pinto, os poemas de Divina Lopes de todos e todas artistas, poetas e trabalhadores da cultura do MST. Toda a nossa simbologia foi construída a partir de um lento e massivo processo de formação e ação que nos levou aos dias atuais, onde usar um boné do MST representa bem a oposição ao bolsonarismo, ao modelo do agronegócio, a toda uma série de injustiças no campo e na cidade, além de representar a luta das mulheres, dos negros e da população LGBTQIA+. E lógico, sim, esse boné é de todos e todas que se comprometem por essas lutas, por nosso Projeto Popular de Brasil!
Não ouçam quem queira setorizar as nossas lutas, quem acha que somente uns poucos têm legitimidade para usar nossa bandeira ou nosso boné. Para elas, precisamos deixar dois pontos esclarecidos. O primeiro é que o MST não é uma organização sectária. Nós somos um movimento popular. E, dentro dessa configuração, temos o compromisso histórico de organizar a classe trabalhadora brasileira. Nesse processo formativo, nossa mística e nossos símbolos possuem um caráter central.
O segundo ponto é que a luta camponesa no século XX sempre precisou do apoio das lutas urbanas. Quem primeiro vislumbrou essa centralidade campo e cidade nas lutas populares foi Lenin ao criar a tese da aliança operário-camponesa, onde nem os camponeses conseguiriam se libertar sozinhos do czarismo, nem a classe operária. Era necessário uma aliança e a própria simbologia do comunismo, a foice e o martelo, representam essa necessidade.
No Brasil, a história da luta pela reforma agrária esteve diretamente vinculada a essa ideia de aliança campo-cidade. Dentro do modelo clássico da reforma agrária, as causas humanitárias e desenvolvimentistas eram os dois principais pilares da aliança. Por um lado, fazer a reforma agrária era necessário para acabar com a fome e a miséria do meio rural. Por outro, era preciso a reforma agrária para acabar com a improdutividade do latifúndio, com o êxodo rural e criar uma classe média rural capaz de ser um forte mercado consumidor do nosso produto industrial.
No nosso programa atual, a Reforma Agrária Popular, a aliança campo e cidade se constitui a partir da produção de alimentos saudáveis, do plantio de árvores, da luta pela educação, por meio dos agentes populares de saúde do campo e da cidade, pelas campanhas de solidariedade e, principalmente, pela luta contra toda forma de opressão, seja ela de classe, de gênero, raça ou orientação sexual.
E foi justamente no momento mais tenebroso da história do Brasil, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016, a prisão de Lula e em meio ao governo Bolsonaro, que o nosso programa da Reforma Agrária Popular se estabeleceu e se solidificou na nossa sociedade.
Nesse processo, a nossa mística também se fortaleceu. Ao contrário de alguns que preconizavam a morte do MST, nós seguimos mais vivos que nunca. Somos fortes porque temos ao nosso lado a base camponesa, intelectuais, artistas, professoras, profissionais de saúde, a juventude e diversos apoiadores e apoiadoras do Projeto Popular para o Brasil.
Queremos ver nosso boné estampado em todos os lugares porque ali sabemos que há apoio à luta do povo. Seja usando o boné na praia para se proteger do sol, em algum show compondo seu look da noite , restaurantes, feiras públicas, universidades e em marchas ou manifestações públicas.
A aliança campo e cidade, no Brasil, está mais forte que nunca. Usar um boné do MST é também sacramentar essa luta. Como diz nosso hino: “hasteemos a bandeira colorida, despertemos essa pátria adormecida. O amanhã pertence a nós, trabalhadores!”.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga