Não basta orar pela paz como se Deus precisasse ser convencido por nós para dar a paz ao mundo
É triste e doloroso ver as imagens terríveis da destruição que a guerra entre as grandes potências do mundo provocam na Ucrânia. E no mundo atual, há muitos outros conflitos e guerras que eclodem nos cinco continentes. A ONU chega a contar 28 situações de conflitos no mundo. Certamente um dos aspectos mais terríveis de muitas destas guerras é ver que dos dois lados do conflito estão mandatários que falam que Deus está do lado deles e há bispos e patriarcas que os apoiam.
De fato, embora todas as tradições espirituais preguem a paz e o amor, até os nossos dias, as religiões têm sido motivos de confronto e violência entre pessoas e entre povos. Infelizmente, todas as grandes religiões, em determinados momentos da história, acabaram servindo para exacerbar conflitos e violências. A Bíblia pode ser interpretada como uma incessante luta contra culturas e religiões estrangeiras. No Brasil, diariamente, em nome da Bíblia, cristãos fundamentalistas atacam violentamente templos e comunidades de cultos de matriz africana.
Vários intelectuais chamam a atenção para o caráter violento dos textos religiosos. Um sociólogo afirmou: “Encher o mundo com religião e principalmente com religiões monoteístas equivale a espalhar pelas estradas pistolas carregadas. Não se surpreendam se elas forem usadas”.
Em uma mensagem ao 2º Fórum Social Mundial, José Saramago escreveu: “De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus”
Em 1996, o cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão, afirmava: “Reflito sobre páginas bíblicas que descrevem conflitos e parecem legitimá-los. Em algumas parábolas evangélicas, a guerra e a violência são consideradas comuns e inerentes à sorte deste mundo. São histórias que falam de vingança e pena de morte. (...) Hoje, não podemos propor fatos de guerra e violência como imagens do reino de Deus”.
Explicamos estes textos violentos com o conceito de “pedagogia progressiva”. Deus educa progressivamente o povo a partir de seus condicionamentos culturais até um ponto no qual a violência seja superada.
Para que alcancemos esta cultura de paz não basta que os ministros religiosos condenem guerras. Não basta orar pela paz como se Deus precisasse ser convencido por nós para dar a paz ao mundo. Também parece incoerente pedir paz aos governos e manter religiões dogmáticas e autoritárias que, por sua própria estrutura hierárquica, contêm violência simbólica. É preciso que as próprias Igrejas, assim como cada cristão assuma um processo educativo que o coloque em uma cultura de Paz.
É isso que há quase 60 anos, o papa João XXIII propôs quando, mesmo enfrentando pressões de seus próprios assessores e auxiliares, na quinta-feira santa, 11 de abril de 1963, assinou e mandou divulgar a encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra). Para ser testemunhas da paz, cada crente e as próprias religiões têm de se desarmarem de suas couraças dogmáticas, dos seus anseios mundanos de poder e praticarem nos seus círculos internos e entre elas a Paz e o Amor que propõem ao mundo.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga