Fugir dos ultraprocessados ou ultraenvenenados é bom pra a saúde e pro paladar
Comer é uma das necessidades básicas de todo animal e um dos assuntos preferidos desse gordinho que hoje vos escreve. Falar de comida segue sendo uma coisa gostosa (sem perdão pelo trocadilho infame), mas também problemática num Brasil em que mais de 20 milhões de pessoas passam fome. Outras tantas incalculáveis não comem direito, não ingerem os nutrientes necessários por falta de grana ou de informação. Ou pela ação bilionária de uma indústria de alimentos que investe uma fortuna em propaganda pra te vender apenas sódio, gordura, açúcar e veneno disfarçados de alimento.
Também por isso eu tenho pensado cada vez mais no que a gente come aqui em casa. Eu amo estar diante do fogão e aqui na família essa tarefa é minha. De manhã, não saio de casa antes de deixar o almoço pronto pras crias e companheira. Se eu não estou à mesa presencialmente, estou no tempero da refeição que preparo com um carinho imenso. Com o tempo, vou desenvolvendo truques pra ganhar tempo e evitar o desperdício. Assim galinha guisada vira canja, resto de peixe vira bolinho, cuscuz vira farofa, carne moída vira lasanha até não sobrar mais nada. Feijão já faço pra a semana inteira e a salada sai rapidinho quando as verduras são guardadas direito.
No meu caso, o ato de cozinhar também é oportunidade pra desfrutar a companhia da filharada. É cortando cebola, mexendo panela ou separando as cascas que vão pra a composteira que a gente aproveita pra trocar ideia sobre a vida da adolescente ou pra mostrar pra o pirrainha como se faz a panqueca de banana que ele adora comer com geleia feita da pitanga que tia Carol Vergolino trouxe da praia.
Aliás, a atenção para o que vai na mesa começa bem antes de se botar qualquer coisa na panela. Escolher onde vamos comprar comida é tão (ou mais) importante quanto temperar com gosto. Aqui uma regra é sempre que possível comprar o que vem da agricultura e da produção familiar. Fugir dos ultraprocessados ou ultraenvenenados é bom pra a saúde e pro paladar. Isso sem falar na decisão política de se fazer o dinheiro chegar no bolso de quem mais precisa. A grana da macaxeira que se perde na contabilidade da rede internacional de supermercados fica melhor na poupança de dona Maria. Assim, paga os livros da filha que está na faculdade. Não tenho nenhuma dúvida de que vale muito mais a pena financiar a agrofloresta de Amadeu e Cristina do que a vinícola gringa do megaempresário.
Teve um tempo em que não faltavam desculpas para muita gente engordar a conta das corporações ao invés de garantir o aluguel de quem produz de forma artesanal. Comodidade, facilidade e até o preço dos produtos eram argumentos fáceis de se usar. Hoje, nem tanto. Só na Região Metropolitana do Recife há cerca de 50 espaços agroecológicos ou feiras da agricultura familiar com produtos que muitas vezes nem no supermercado você encontra. Espaços como o Armazém do Campo, mantido pelo MST, ou a Agroecoloja do Centro Sabiá, têm feito um trabalho fantástico trazendo, além de hortaliças, também proteína animal e produtos artesanais de assentamentos e roças de Pernambuco e do Brasil. Ah, e ainda entregam em casa.
Hoje em dia, até o mito do preço alto também foi pro espaço. Fazendo uma busca rápida, já se percebe que muitas vezes a produção familiar consegue ser até mais barata do que vende a grande agroindústria. Hoje aqui em casa estamos bem. Deixei pronto um peixinho comprado em Jô, no Mercado da Madalena. O arroz integral e a salada foram na feira de Casa Forte e o suco de graviola vem da polpa que uma companheira produz em Gravatá. Saio de casa consciente do meu privilégio e da tarefa de seguir lutando pra que todo mundo tenha todo dia comida de verdade na mesa, sorriso no rosto e força pra seguir.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga