Não devemos esquecer um só dia do tenebroso período da ditadura militar brasileira
A história da Ditadura Militar no Brasil talvez seja, além da período de escravidão de pessoas negras, a página mais infeliz da nossa história, nas palavras do próprio Chico Buarque. Esse período foi marcado pelo extremo abuso de poder e pelas graves violações de direitos humanos, sustentadas pela própria estrutura do Estado. Durante o período da Guerra Fria, houve no Brasil e em outros países da América Latina a ascensão dos militares ao poder, apoiados na ideologia da “segurança nacional” e no combate ao comunismo. Foi nesse contexto que houve o golpe de Estado 1º de abril de 1964, travestido de “revolução”, mas apoiado por diversos setores da sociedade civil.
Durante os mais de 20 anos de ditadura militar no Brasil, o Estado foi responsável por utilizar todos os meios possíveis para transparecer uma imagem de “normalidade” da vida política do país. Para que isso acontecesse, tentou-se dar a sensação de legalidade ao regime, com a edição de Atos Institucionais (AI’s) que legitimaram a violência, o abuso de poder e a violação de direitos. A fase mais dura da ditadura militar ocorreu durante a vigência do AI-5, que estabeleceu a censura a todos os meios de comunicação. Só em 1974, durante o governo Geisel, estabeleceu-se o retorno “lento, gradual e seguro” da democracia no país. Durante esse período de transição democrática, não houve ruptura com o regime militar, embora já se discutisse a possibilidade de anistiar os presos e condenados políticos. Porém, a lei de anistia só veio em 1979.
A lei de anistia foi a luz no fim do túnel. Depois dela, dez anos após o fim do golpe, entrou em vigor a lei dos desaparecidos políticos, em 1995. Mas nem a lei de anistia nem a lei dos desaparecidos políticos admitiam, em sua redação, a responsabilização do Estado pelas violações praticadas nesse período. Por isso, atualmente discute-se tal temática sob a ótica da justiça de transição.
A justiça de transição é um conceito utilizado para designar ações e políticas institucionais que surgem com o objetivo de reparar as consequências oriundas de conflitos internos, violações constantes de direitos humanos e violência massiva que ocorreram contra determinados grupos na história de um país. Diante do contexto de cada país, algumas ações devem ser tomadas para assegurar a justiça de transição, a depender de cada caso. Quais sejam: julgar os perpetradores de crimes e das graves violações de direitos humanos; estabelecer a verdade sobre os fatos ocorridos no período; registrar, reconhecer, e dar visibilidade à memória como construção imprescindível da história do país; oferecer reparações às vítimas; reformar as instituições que participaram direta ou indiretamente das violações cometidas.
O direito à memória e à verdade diz respeito ao reconhecimento, por parte do próprio Estado, de que ele próprio, aliado a alguns setores da sociedade civil, praticou diversas violações de direitos humanos. Sob essa ótica, o Estado deve ser o responsável por reconstituir a verdade oficial, diferentemente daquela que foi contada pelos seus agentes que cometeram os crimes. Essa é a primeira condição para que se possa reconhecer que no Brasil, entre 1964 e 1985, houve um período de extremo autoritarismo e práticas abusivas praticadas pelo próprio Estado brasileiro.
Numa fase de extremo autoritarismo e ascensão de discursos de ódio praticados pelo próprio atual chefe do Executivo no Brasil, inclusive com apologia ao próprio regime militar, é preciso cada vez mais difundir a verdade dos fatos que aconteceram naquele período. A informação é uma das principais formas de se conseguir a justiça de transição num país cuja democracia ainda é tão frágil. Não devemos esquecer um só dia do tenebroso período da ditadura militar brasileira. Lembrar sempre, para que não seja repetida jamais.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga